A adoção de uma nova tecnologia na sociedade tem mais a ver com o encontrar uma viabilidade para seu uso do que com sua disponibilidade em si. Nos anos 1980, por exemplo, a literatura de ficção do gênero cyberpunk, aclamada a partir do premiado Neuromancer, de Willian Gibson, trazia relatos de uma sociedade onde o papel moeda não existia mais. Havia sido substituído pelo chamado plasticrédito, o dinheiro de plástico. No entanto, foi apenas neste século que se popularizou o uso do plástico, por meio dos cartões de débito, como forma de pagamento direta (e não de crédito bancário).
Gibson e seus colegas, por mais brilhantes que sejam como escritores, não inventaram o dinheiro de plástico. A tecnologia já existia e já estava disponível, mas nós não tínhamos encontrado uma forma de aplicá-la. O tal plasticrédito só foi viabilizado pelo setor financeiro (em vez de governos ultracontroladores, como a literatura cyberpunk apregoava), que implantou uma forma eficiente de levar essa tecnologia para o público geral.
Da mesma forma, o Near Field Communication (NFC), tecnologia disponível que, entre outras coisas, permite realizar pagamentos por meio do celular – mobile payment ou m-payment, como também é conhecido –, gera um crescente entusiasmo por preconizar uma nova relação comercial, mais ágil e dinâmica. A literatura de ficção científica já registra o pagamento por celular e alguns projetos reais (inclusive utilizando tecnologias mais obsoletas, como SMS) já são funcionam na prática, mas em contextos muito específicos. O que falta, então, para se encontrar a forma certa de aplicar essa tecnologia, disseminando-a? Não basta seguirmos o caminho dos cartões de débito e deixá-los na mão dos bancos? É o caminho mais provável, mas que envolve resolver um conflito delicado entre dois setores empresariais: o financeiro e o de telecomunicações.
De um lado, há oportunidades para os bancos de facilitar os pagamentos que seus clientes efetuam por mais de um meio de comunicação, além da internet e do próprio telefone (que já é usado como canal nos sites de bancos, no autoatendimento e nos terminais de pontos-de- venda). Por outro lado, os celulares, que neste caso não seriam apenas o veículo de transmissão, mas o próprio instrumento de pagamento, estão hoje nas mãos do setor de telecomunicações, que, já afetado pela perda de receita resultante do uso crescente da internet como meio de comunicação, enxerga no NFC uma oportunidade a ser explorada. A disseminação dessa tecnologia, portanto, está dependente de uma questão político-estratégico e não técnica.
E, neste cenário, como fica o plástico? Será o fim dos cartões? A história mostra que não, pelo menos por um bom tempo. Assim como a internet não destruiu a televisão, o livro eletrônico não destruiu o papel, o plástico não destruiu o papel moeda, não é razoável supor que, em pouco tempo, as pessoas correrão para queimar seus cartões de banco e passar a pagar tudo por celular. Pagamentos em formato digital envolvem maturidade para que possa gerar confiança no consumidor, e isso leva tempo. Porém, mais difícil que imaginar que o cartão acabará, é pensar que, com a popularização dos celulares no estágio em que nos encontramos, essa tecnologia não se tornará realidade. O mais provável é que o desafio seja ultrapassado e os dois setores consigam um acordo, sob pena de perderem uma oportunidade que não pode ser negligenciada.
* Fernando Aires é professor de ciência da Computação da Universidade Anhembi Morumbi.