As definições e avanços na questão da privacidade de dados na Lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet (MCI), podem estar em cheque. Se por um lado pode sofrer abalo com novas propostas, por outro pode ainda ser suficiente do jeito que está. A visão do diretor presidente da InternetLab, Dennys Antonialli, é de que o Marco Civil traz incertezas jurídicas em relação à privacidade pela abordagem "muito principiológica", levando o tema a um "limbo regulatório". Segundo ele, ainda que tenha representado um avanço, falta ao País um marco regulatório específico sobre o tema. "O que acontece hoje é um cenário de bastante insegurança jurídica, especialmente para empresas, porque essas coisas chegam ao judiciário, que tem dado decisões conflitantes e indicativos que são questões bastante confusas", afirmou ele nesta quarta, 27, durante evento sobre novas tecnologias e o ambiente legal no Brasil, no escritório da Pinheiro Neto Advogados, na capital paulista.
Antonialli defende a criação de uma autoridade de garantia para tornar as regras e suas aplicações claras, dando segurança jurídica e inclusive podendo lidar melhor em casos que têm tido resultados controversos no País, como o bloqueio do WhatsApp por 24 horas após decisão da Justiça do Piauí. Segundo ele, essa entidade deve ser única, centralizada e com âmbito federal, independente e autônoma e composta por funcionários especializados tecnicamente. Assim, poderia tornar mais fácil o trâmite e acionar essas empresas de fora do Brasil, evitando ser feito sanções com ordem judicial, que enfrenta vários obstáculos e acaba não tendo responsabilização concreta do problema. "Se bloqueia, o usuário deixa de usar o app, mas ele não é ressarcido e a empresa não sofre multa."
Com a votação do relatório final da CPI de Crimes Cibernéticos adiada, ainda restam dúvidas sobre o destino de aspectos sensíveis do texto de autoria do deputado Esperidião Amin (PP-SC) que alteram o MCI. O diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), Carlos Affonso Souza, alertou para a proposta que pretende alterar três pilares fundamentais do Marco Civil: privacidade, neutralidade e liberdade de expressão. "O estado da arte da discussão é que a CPI, com esta votação agora e cujo relatório foi liberado ontem às 9h da noite, em horário nobre, não mais apresenta PL sobre esta questão (privacidade), mas referenda outro PL no Senado que transforma IP em dado cadastral", critica ele em tom sarcástico.
Outros riscos
Souza também argumenta que a redação final na CPI cria uma nova exceção à neutralidade de rede, especificamente para casos de ordem judicial, e que deixa o princípio "menos forte do que deveria ser". "Tem um precedente muito perigoso, a neutralidade precisa ser princípio muito contido, e quando se coloca ordem judicial, seja lá de qual assunto, ainda mais em ano eleitoral, aí tira o gênio da lâmpada, porque pode bloquear sites e aplicativos – desde o candidato que fez trucagem quanto o da empresa que fez pesquisa comparativa", declara.
No ponto da liberdade de expressão, o diretor do ITS explica que o ponto atual que fala em remoção de "conteúdos idênticos" dos que já foram objeto de ordem judicial também levanta precedentes com a própria indefinição do que seriam esses conteúdos. "Parece ruim cravar na legislação a retirada em 48 horas, que pode ser muito ou pouco. E tem eventual guerra de clones, porque o que é idêntico, o que é cópia? Se eu inverto a foto, é a mesma? E o meme, que nada mais é do que legenda, mas que muda tudo?"
Carlos Affonso Souza não acredita que a demora para a regulamentação do Marco Civil por decreto foi tão negativo. "Acho importante porque quatro consultas públicas foram feitas, e isso é sinal no mínimo de respeito com sobre o que o MCI foi construído", diz. O governo, contudo, trabalha para publicar o decreto com a regulamentação nas próximas duas semanas.