ANPD divulga sugestões para lei das fake news

0

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) vem acompanhando as discussões referentes ao Projeto de Lei nº 2630/20, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, buscando dialogar com os diversos setores da sociedade para o melhor posicionamento sobre o assunto.

Nesse sentido, a ANPD reconhece a necessidade e a importância da construção de uma regulação responsiva, que considere os impactos e os riscos envolvidos, a fim de estabelecer as condições necessárias para a garantia de direitos no ambiente digital, em especial quanto à privacidade, à proteção de dados pessoais, à liberdade de expressão e ao direito à informação, com base em parâmetros objetivos e nas melhores práticas internacionais.

A ANPD também reconhece a necessidade de um esforço multissetorial que contemple os posicionamentos do poder público, da sociedade civil e do setor empresarial, em continuidade ao histórico do Brasil na elaboração de legislações sobre o tema, como no processo de elaboração do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 – MCI) e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 – LGPD).

A fim de melhor compreender o contexto brasileiro de regulação de plataformas digitais, os possíveis impactos à proteção de dados pessoais e contribuir com o debate público, a ANPD elaborou um estudo preliminar, cujo inteiro teor pode ser consultado aqui

A seguir, destacam-se as principais questões levantadas no referido estudo:

  1. Entidade supervisora autônoma

1.1.       Dentre as diversas versões do PL nº 2630/20, alguns artigos estabelecem regras aplicáveis ao tratamento de dados pessoais, entre as quais podem ser mencionadas as disposições relativas a: (i) hipóteses legais para o tratamento de dados pessoais, como o consentimento; (ii) utilização de dados para perfilamento de usuários e decisões automatizadas – incluídas as decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade; (iii) proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes; (iv) acesso a dados pessoais para fins de estudos e pesquisas; e (v) avaliação de impacto sobre dados pessoais no ambiente digital, matérias que encontram previsão na LGPD para regulamentação e fiscalização pela ANPD.

1.2.       Como se pode observar, os dispositivos mencionados estabelecem regras sobre proteção de dados pessoais, atribuindo competências de regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções à "entidade autônoma de supervisão", o que suscita potenciais conflitos com as competências legais da ANPD previstas na LGPD.

1.3.       Em termos práticos, o PL abre a possibilidade de que sejam atribuídas a outra entidade pública parte das competências legais da ANPD de regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções a plataformas digitais no que concerne à proteção de dados pessoais.

1.4.       Tal situação de possível fragmentação regulatória e de sobreposição de competências pode trazer forte insegurança jurídica e colocar em risco a garantia do direito fundamental à proteção de dados pessoais no ambiente digital.

1.5.       Este potencial conflito é iminente, haja vista que a Agenda Regulatória da ANPD para o biênio 2023-2024 já prevê a edição de orientações e a regulamentação de temas atribuídos pelo PL nº 2630 à entidade supervisora autônoma, tais como proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital; direitos dos titulares; acesso a dados para fins de pesquisa; inteligência artificial; e decisões automatizadas.

1.6.        Tendo em vista os pontos de preocupação acima elencados, cabe destacar que, nos termos da LGPD, a aplicação das sanções referente à proteção de dados pessoais compete exclusivamente à ANPD, e suas competências prevalecerão, no que se refere à proteção de dados pessoais, sobre as competências correlatas de outras entidades ou órgãos da administração pública.

1.7.       Diante desse cenário, a ANPD espera que o PL nº 2630/20, ou a futura regulamentação da entidade supervisora autônoma, preserve de forma expressa as competências da Autoridade no que tange à regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções a plataformas digitais quanto à proteção de dados pessoais e ao direito à privacidade.

1.8.        A regulação de plataformas digitais deve ser pensada e construída a partir de um enfoque amplo, que considere não somente a moderação de conteúdos, mas também outros aspectos essenciais, em particular a proteção de dados pessoais. Afinal, o uso intensivo de dados está na base do modelo de negócios das plataformas digitais, de modo que, para que a regulação e a garantia de direitos no ambiente digital sejam efetivas, é necessário fortalecer as instituições, estabelecendo regras coerentes que promovam a cooperação e a coordenação entre os órgãos reguladores e o respeito às suas competências e prerrogativas.

  1. Coleta de dados pessoais para fins de investigação criminal

2.1         O PL nº 2630/20 estabelece obrigações de guarda de dados para fins de investigação criminal, valendo-se, para tanto, de expressões vagas e imprecisas, o que pode levar a uma ampliação desproporcional da coleta de dados pessoais ou, ainda, ao rastreamento e à vigilância abusivas sobre titulares de dados pessoais.

2.2         Nestas hipóteses, é importante que as autoridades públicas observem a necessidade de definição de finalidades específicas para o tratamento de dados pessoais, a sua limitação ao estritamente necessário para alcançar essas mesmas finalidades, a adoção das medidas de segurança proporcionais aos riscos envolvidos e a ampla transparência das operações realizadas com dados pessoais.

2.3         Além disso, a fim de afastar eventual insegurança jurídica e proteger os dados pessoais dos investigados, é oportuno que o PL nº 2630/20 defina de forma específica e taxativa quais dados pessoais devem ser objeto de guarda pelas plataformas digitais, técnica legislativa que, vale enfatizar, é a utilizada no Marco Civil da Internet (MCI).

2.4         É importante destacar que esse aspecto é central para a avaliação do grau de compatibilidade da legislação nacional com a legislação de proteção de dados de outros países e de blocos internacionais, como a União Europeia. Também por isso, portanto, é essencial que as normas que dispõem sobre o acesso de autoridades públicas a dados pessoais sejam baseadas em parâmetros objetivos e em limites legais claramente definidos na legislação.

2.5         Nesse sentido, sugere-se a revisão da redação do texto, de modo a indicar de forma expressa e taxativa quais dados poderão ser coletados, excluindo-se, tanto do PL como de possíveis alterações do MCI, expressões vagas e imprecisas como "quaisquer dados e metadados conexos envolvidos", "outros registros e informações dos usuários" e "que possam ser usados como material probatório".

Por fim, a ANPD mantém a sua disposição de colaborar com o debate público, ao tempo em que reforça a importância do tema e dos esforços multissetoriais para o avanço da discussão. Também reitera o seu compromisso em garantir a privacidade e a proteção dos dados pessoais, prerrogativa estabelecida na LGPD, e conta com a colaboração de todos para o alcance desse objetivo.

A ANPD esclarece, ainda, que pretende contribuir, nos temas de sua competência, na consulta pública disponibilizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) sobre a regulação de plataformas digitais.

Comentários

Segundo Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados, "a nova Proposta de Lei (PL) nº 2630/20, recentemente aprovada no Brasil, que tem como objetivo principal combater a disseminação de notícias falsas (fake news) e promover a transparência na divulgação de informações, concordo com o posicionamento da ANPD de que é fundamental avaliar seus impactos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e garantir que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam preservados – o que não parece ser o caso. Um dos principais aspectos da PL nº 2630/20 é a exigência de identificação dos usuários em plataformas de redes sociais e serviços de mensageria. Embora essa medida possa contribuir para a responsabilização dos autores de notícias falsas, ela também levanta preocupações sobre a privacidade dos usuários e a proteção de seus dados pessoais."

A LGPD estabelece regras claras para o tratamento de dados pessoais, incluindo a necessidade de consentimento do titular, a garantia de transparência no uso desses dados e a implementação de medidas de segurança adequadas. A PL nº 2630/20, no entanto, pode levar a um aumento na coleta e armazenamento de informações pessoais, o que demanda uma análise cuidadosa para garantir a conformidade com a LGPD e a preservação da privacidade dos usuários, além de sobrepor competências da ANPD e da LGPD, bem como contrariar princípios da legislação internacional, como a GDPR, o que pode gerar uma grande barreira para empresas estrangeiras atuarem no Brasil. Além disso, é importante destacar o papel das autoridades de proteção de dados na fiscalização e aplicação da LGPD. A criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) foi um passo fundamental para garantir a efetiva proteção dos direitos dos titulares, sendo fundamental que a ANPD esteja envolvida na revisão e aplicação da PL nº 2630/20, garantindo que as medidas adotadas estejam em conformidade com as normas de proteção de dados e respeitem os direitos fundamentais, situação que parece não estar acontecendo.

"Em suma, a PL nº 2630/20 representa um esforço (e um problema) na luta contra a disseminação de notícias falsas, mas seus impactos na proteção de dados e privacidade devem ser cuidadosamente considerados, além de que o "crivo" do que é ou não uma notícia falsa dever ser considerado com ponderação. É crucial que a implementação dessa lei esteja em harmonia com a LGPD e que as autoridades competentes colaborem para garantir a proteção dos direitos dos cidadãos. A privacidade e a proteção de dados são valores fundamentais em uma sociedade democrática, e é nosso dever garantir que esses princípios sejam respeitados, mesmo diante de novos desafios e legislações," diz o advogado.

Antonielle Freitas, DPO do escritório Viseu Advogados dioz que "o estudo alerta para a possibilidade de conflitos entre as competências legais da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e a "entidade autônoma de supervisão" proposta pelo PL, o que poderia gerar insegurança jurídica e colocar em risco o direito fundamental à proteção de dados pessoais no ambiente digital. Além disso, a ANPD destaca a importância de regulamentar as plataformas digitais levando em consideração não apenas a moderação de conteúdos, mas também a proteção de dados pessoais e alerta para a necessidade de definir finalidades específicas para a coleta de dados pessoais para fins de investigação criminal, adotando medidas de segurança proporcionais aos riscos envolvidos e garantindo a transparência das operações realizadas com dados pessoais."

Para Nádia Cunha, coordenadora da área de Contratos e Compliance em Proteção de Dados, do escritório Jorge Advogados Associados,  "o acompanhamento pela ANPD das discussões referentes ao Projeto Lei nº 2630/2020 é de suma importância, pois visa garantir segurança jurídica no que diz respeito à proteção de dados pessoais. Isso, porque, referido projeto traz pontos que conflitam com diversas disposições já previstas na LGPD, inclusive, quanto a competências exclusivas da Agência Nacional de Proteção de Dados como, por exemplo, a aplicação de sanções.

Ainda, no que diz respeito a coleta dos dados para fins de investigação criminal, o PL nº 2630/2020, trata tal tema de forma muito abrangente, vaga e imprecisa, o que vai de encontro com as hipóteses taxativas previstas na LGPD.

"A contribuição da ANPD é relevante, principalmente, para que o Brasil mantenha seu grau de compatibilidade com a legislação de proteção de dados de outros países e de blocos internacionais, como a União Europeia. Foram muitos avanços importantes até aqui e não podemos deixar que os esforços em fazer do Brasil um país adequado à proteção de dados a nível mundial, sejam em vão" , comenta.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.