Justiça do Amazonas reconhece vínculo empregatício de motorista com a Uber

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O Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (TRT-11), no Amazonas e Roraima, proferiu na última quinta-feira, 24, um acórdão reconhecendo o vínculo empregatício de um motorista com a Uber. Ele prestou serviços por meio do aplicativo durante 7 meses no ano de 2018.

Participaram do julgamento em Sessão Ordinária telepresencial os desembargadores Jorge Álvaro Marques Guedes (presidente), Ruth Barbosa Sampaio (relatora) e Maria de Fátima Neves Lopes, e o Procurador Reginal do Trabalho da 11ª Região, Ronaldo José de Lira.

Decisão equivalente foi proferida no mês de abril pelo TRT 15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região), em Campinas, quando a Justiça acolheu um parecer do MPT (Ministério Público do Trabalho) e reconheceu vínculo empregatício de um motorista que prestou serviços ao Uber durante mais de um ano.

Em ambos os casos a Justiça Trabalhista argumentou que há diversos pontos que classificam a relação de trabalho entre motorista e a Uber como vínculo empregatício, como a pessoalidade, a onerosidade a subordinação e a alteridade, com base nos artigos 2º e 3º da CLT.

Acórdão no Amazonas

Nas premissas iniciais da decisão da Justiça no Amazonas, a relatoria destaca que "o artigo 6º da CLT complementa os artigos 2º e 3º, esclarecendo que, para fins de relação empregatícia, o trabalho pode ser realizado a distância, podendo ser controlado por meio telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão".

A desembargadora Ruth Sampaio incluiu nos autos parecer do Ministério Público do Trabalho, proferido em processo similar. Segundo o Grupo de estudos sobre a Uber- GE Uber da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes na Relação de Trabalho – CONAFRET – do MPT, as principais características desse sistema são: monitoramento eletrônico, aumento de preço e programação de trabalho, a fusão da análise em tempo real com a análise prévia e a avaliação dos motoristas.

A relatora assinalou que a empresa Uber admite, remunera e dirige a prestação de serviços das pessoas físicas, as quais ingressam no aplicativo após a realização de cadastro digital, com dados pessoais que são aprovados pela empresa. Após o ingresso o motorista passa a se submeter  a um sistema de monitoramento eletrônico, controlando os preços e enquadrando o motorista em um complexo conjunto de regras, avaliações e diretrizes, as quais, dependendo da conduta do trabalhador, podem resultar em suspensão ou exclusão da plataforma (sistema punitivo).

A autonomia defendida empresa Uber não condiz com sua conduta em que "os motoristas não podem escolher o preço das viagens, trajetos a serem percorridos e quais clientes vão transportar (limite de cancelamentos de corridas). O percentual das viagens auferido pela reclamada é dinâmico, os recibos são emitidos pela própria plataforma, a qual fiscaliza e controla o trabalho por GPS, exercendo ainda o controle da forma da condução do veículo e velocidade, etc".

No final do voto, a relatora alerta que as novas formas de trabalho, sobretudo aquelas intermediadas por plataformas digitais, a exemplo da Uber, desafiam o sistema protetivo mínimo, impondo a necessidade de imprimir um olhar mais atento às novas modalidades de trabalho humano. É preciso que a relação contratual respeite as diretrizes constitucionais.

Tentativa de acordo para impedir julgamento

Para impedir análise da matéria, às vésperas do julgamento, a empresa Uber juntou acordo firmado pelas partes, no valor de R$ 5.000,00, requerendo a retirada de pauta do processo e a homologação do acordo. A relatora do acórdão, Ruth Sampaio, negou o pedido, justificando que "sob o manto do acordo, as partes buscam, incentivadas pela postura reiterada da reclamada de controlar a jurisprudência, obstar a análise do mérito. A conduta da reclamada não condiz com o princípio da boa-fé processual". Além disso, prossegue a relatora nos autos, o prazo para o Juízo despachar é de cinco dias e as partes juntaram acordo aos autos após inclusão do processo em pauta e na véspera do dia da realização da sessão de julgamento.

Para a desembargadora a reclamada (Uber) busca se valer da fragilidade do trabalhador, sobretudo neste momento de pandemia da Covid-19, para obstar os direitos básicos e constitucionais do obreiro".

Direitos trabalhistas

Com a decisão do Acórdão o processo retorna ao juízo de primeiro grau para que se proceda a novo julgamento dos pedidos decorrentes da relação de emprego reconhecida no segundo grau.

O processo ajuizado pelo motorista no TRT11 pleiteava o reconhecimento de vínculo empregatício, anotação na carteira de trabalho (CTPS), com a dispensa imotivada, pagamento de todas as verbas rescisórias trabalhistas e indenizatórias, além do pagamento das diferenças de horas extras. O valor da causa totalizava mais de R$ 123 mil.

Nota do Uber

A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 3ª Turma do TRT da 11ª Região, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal Regional e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – o mais recente deles no mês passado.

Ao recusar acordo firmado entre as partes, a Turma passa por cima da vontade expressa de seus jurisdicionados e desconsidera completamente a diretriz da Justiça do Trabalho de preferência pela solução consensual de conflitos. Além disso, a afirmação de que a Uber tenta "controlar a jurisprudência" não se sustenta quando confrontada com a realidade. Do total de ações contra a Uber finalizadas até 2020, cerca de 10% resultaram em acordos, índice que representa menos da metade da média na Justiça do Trabalho (24%) e também é inferior à média de todo o Poder Judiciário no país (13%), de acordo com o mais recente relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça.

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de mil decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, sendo que não há nenhuma decisão consolidada que determine o registro de motorista parceiro como empregado da Uber.

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.

O TST já reconheceu, em quatro julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. No mais recente, a 5ª Turma considerou que o motorista "poderia ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse" e "se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse".

Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe "autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".

Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro, e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de 2019.

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