Conforme o saudoso pesquisador Clayton Christensen – que nos deixou em 2020 – comentou em seu reconhecido artigo 'Job to be done', "depois de décadas assistindo a grandes empresas fracassarem, chegamos à conclusão de que o foco na correlação de dados, em saber mais e mais sobre os clientes, está levando as empresas para a direção errada".
Isto porque, na saga e endeusamento apenas de uma parte (a menor) da big data, para alavancar a tomada de decisão estratégica, melhorar produtos e serviços, assim como tentar conhecer cada vez mais os anseios e necessidades do cliente, faltava agregar um principal elemento: – o contexto. Parte importantíssima dessa saga, principalmente devido às mudanças que vêm acontecendo nos comportamentos dos consumidores nestes últimos anos. Conhecer o contexto numa visão qualitativa da compreensão do momento do consumidor, hoje é mandatório.
Portanto, se a chamada "dataficação" pode gerar algum burburinho sobre o "perigo dos dados", este não reside apenas na massividade do seu uso, mas sim, na capacidade de absorção da granularidade, subjetividade, autenticidade e espontaneidade dessa informação. Seja nas áreas relacionadas à experiência do consumidor, ou qualquer outra área profissional, o foco é compreender que devemos construir e melhorar algoritmos que ensinem às máquinas de inteligência artificial a realmente trazer aos negócios, em benefício da sociedade como um todo, a verdadeira opinião humana. A questão da "dataficação" (sem o contexto ideológico do "ismo" de dataísmo) não seria exatamente se o dado serve ou não serve; se ele é massivo ou não; ou mesmo se "gera perigo", considerando sua atual ubiquidade. Mas sim, de qual tipo de dado, na geração e no consumo estamos falando.
Vou explicar melhor: existe produção e consumo de dados. Ambos resultam em oportunidades de análises quantitativas baseados em correlações, regressões estatísticas, minerações e predições que são os chamados dados estruturados. Mas isso gera um alerta, porque, embora estes sejam apenas 20% do Big Data, são em geral, os drivers mais utilizados para tomada de decisão de grande parte das organizações. No entanto, existe um outro tipo de dado mais descritivo, qualitativo e espontâneo – o chamado dado não estruturado (texto livre, imagem, áudio etc.), que segundo dados de pesquisa como IDC, IBM, entre outros bureaus de pesquisa, que sinalizam serem esses dados não-estruturados um montante de 80% do Big Data. E pasmem: este outro tipo mais complexo de dados representava a alguns anos apenas 1% do uso corporativo de dados, ainda que fossem a camada de dados mais ampla, assim como a que mais segue crescendo exponencialmente.
Fato é que vivemos cada vez mais imersos num oceano de dados. Elemento imaterial cada vez mais presente em nossas vidas e do qual somos cada vez mais dependentes, gerando um contexto de um "pós-humanismo", o do humano híbrido digital. Existem até teorias conspiratórias que cravam sermos nós mesmos, simulações humanóides (será?), considerando que a evolução humana não deixa de ser também um tipo de aprimoramento tecnológico na nossa biologia, quem sabe?
Para dar tempo de tentar compreender esse novo momento histórico do mundo, é que algumas regulações como a LGPD aqui no Brasil se fazem importante e são historicamente bem-vindas. Funcionam como uma espécie de código social genético que modelam uma adaptação mais segura da nossa espécie, auxiliando na absorção celular dos impactos dessa aceleração da vida, com um pouco mais de proteção. Não obstante a demanda de desafios administrativos trazido às empresas. A sociedade necessita desses anteparos legais para entender melhor o valor que consumimos, geramos e recebemos enquanto cidadãos sobreviventes desse "Dataclisma, onde somos os consumidores e geradores (consumigeradores) dos dados".
Tais respiros burocráticos (legislações reguladoras), atuam como anticorpos do sistema imunológico social para reforçar às empresas, controladoras e operadoras dos dados de consumo (mais lúcidas do valor do big data), que a coleta, o armazenamento e manuseio dos dados, mais do que qualquer coisa, são também, ativos sociais. Assim, deixando claro a quem pertencem esses dados, logo, a quem também devem gerar valor nas relações de consumo.
Como diria um outro pesquisador de tecnologia contemporâneo, Clay Shirky: "A revolução não acontece quando a sociedade adota novas ferramentas. Acontece quando a sociedade adota novos comportamentos". Portanto, são justamente nessas mudanças massivas de comportamentos sociais que sentimos os impactos das novas tecnologias e vamos realizando um tipo de adaptação natural enquanto espécie. No fim, inovação tecnológica é evolução; sendo por si, natural. A ética social média é quem vai dizer se essa nova dinâmica evolutiva será também discernimento e ganha-ganha da espécie.
Dirceu Corrêa Jr., CEO & Partner da Postmetria, empresa de CXaaS da B&P Ventures.