Você provavelmente já ouviu falar em fast fashion. Surgido nos anos 1970, em plena crise global do petróleo, esse modelo de produção prometia democratizar o acesso à moda: roupas mais baratas, feitas em tempo recorde e em larga escala. Não demorou para que o sistema ganhasse o mundo e se consolidasse no Brasil, especialmente entre os grandes varejistas. A explosão do e-commerce deu ainda mais força a essa lógica acelerada de consumo. Mas, por trás da aparente eficiência e acessibilidade, o fast fashion expõe um rastro preocupante de excessos, impactos ambientais severos e violações de direitos trabalhistas. A pergunta que fica é: será que o preço baixo compensa o alto custo humano e ambiental que está por trás de cada peça?
Neste Dia do Trabalhador, é urgente que essa reflexão venha à tona. O Brasil está entre os cinco maiores produtores da indústria têxtil e de confecção no mundo, segundo a Abit, gerando mais de 1,3 milhão de empregos diretos, de acordo com a RAIS 2023. Ainda assim, essa mesma cadeia produtiva carrega contradições alarmantes: informalidade, terceirização desenfreada e, em muitos casos, condições degradantes. Os números do Ministério do Trabalho e Emprego escancaram essa realidade: só em 2024, já foram registradas 3.963 denúncias de atividades análogas à escravidão, com 593 pessoas resgatadas, um aumento de mais de 11% em relação ao ano anterior.
Celebrar o trabalho significa, também, questionar o que há por trás do que consumimos e como podemos fazer compras mais conscientes. E quando o assunto é moda, não dá mais para ignorar que o glamour muitas vezes esconde uma estrutura que ainda explora, marginaliza e compromete o futuro do planeta. Repensar nossos hábitos e exigir mais responsabilidade das marcas deixou de ser uma escolha, tornou-se uma necessidade. Por isso, soluções como a tecnologia blockchain, utilizada fortemente em tantos outros setores, são capazes de contribuir ativamente para a melhora desse cenário. Ao registrar digitalmente cada etapa da produção, da matéria-prima à entrega final, podemos assegurar que uma peça de roupa foi confeccionada em condições justas. A rastreabilidade não apenas protege os trabalhadores, como fortalece a reputação de marcas verdadeiramente comprometidas com a ética e a sustentabilidade.
A busca por transparência e sustentabilidade nas cadeias produtivas tornou-se uma prioridade global. A União Europeia lidera esse movimento com a implementação do Digital Product Passport (DPP), obrigatório a partir de 2024, reunindo informações sobre origem, composição, impacto ambiental e descarte de produtos. Inicialmente voltado a setores de alto impacto, o DPP será expandido para quase todos os produtos até 2030, estabelecendo um novo padrão de rastreabilidade e responsabilidade socioambiental.
Para viabilizar essa transformação, novas tecnologias vêm se consolidando. O blockchain, por exemplo, permite criar um histórico contínuo e verificável, acessível por meio do Passaporte Digital do Produto. Essa inovação, que já começa a ganhar força no Brasil, especialmente no setor de moda, não apenas revoluciona os processos produtivos, mas também redefine a relação dos consumidores com as marcas, fortalecendo a confiança e o compromisso com práticas responsáveis.
O consumidor ainda está no processo de compreender esse novo cenário, e um dos principais fatores para isso é que muitas vezes ele não tem plena consciência do impacto ambiental e social dos produtos que consome. Oferecer transparência é importante para educá-lo e fortalecer esse propósito. Cada vez mais , ele quer saber quem fez sua roupa e em que condições. Ignorar essa tendência é perder relevância. Adotá-la é liderar a transformação que o setor precisa. Como líderes empresariais, temos o dever de colocar os valores humanos no centro das decisões. A responsabilidade social vai além de campanhas ou compromissos no papel: ela se expressa na prática, na fiscalização das cadeias, no combate à informalidade e no uso inteligente da tecnologia para garantir rastreabilidade e transparência.
A moda com responsabilidade é possível, e urgente. Garantir condições dignas de trabalho não é um luxo, é uma obrigação moral, econômica e social. E se hoje, no Dia do Trabalho, temos um momento simbólico para lembrar disso, que esse seja também o ponto de partida para uma nova postura, mais comprometida e mais humana.
André Salem, fundador da Blockforce, empresa responsável pela plataforma tecnológica de blockchain & AI da Fair Fashion.