A saída de Reino Unido da União Europeia (UE) corre o risco de criar sérios obstáculos às empresas de maneira geral e aos fornecedores de serviços de nuvem, em particular, com sede ou operações na Grã Bretanha, para armazenarem livremente informações de companhias e cidadãos europeus e criar uma nova barreira ao comércio na região. Conforme a lei de proteção de dados da UE, qualquer país precisa garantir a privacidade das informações, em conformidade com as normas da Comunidade Europeia, para ter acesso irrestrito desde a registros de folha de pagamento de cidadãos europeus até dados de usuários de telefone celular residentes da UE.
"Haverá uma análise minuciosa sobre o que nossas leis de vigilância permitem", disse Joel Harrison, sócio no escritório de advocacia Milbank, Tweed, Hadley & McCloy, com sede em Londres, ao The Wall Street Journal. "Aspectos do nosso próprio regime, que anteriormente não foram examinados, agora serão examinados em detalhe."
Empresas dos sectores de publicidade para automóveis, por exemplo, com clientes, funcionários ou usuários na UE poderão ser afetadas. Fornecedores de serviços de computação em nuvem como Microsoft, IBM e Amazon.com, que têm expandido ou anunciado planos para ampliar suas ofertas no Reino Unido nos últimos anos, poderão rever seus projetos.
Embora os riscos potenciais da Brexit para essas empresas e seus clientes ainda não sejam imediatos, já que o país tem dois anos para efetivar sua saída do bloco, é inegável que há certa apreensão no ar. É possível também que o do Reino Unido, para manter o acesso ao mercado da UE, aceite as regras da comunidade ou negocie um acordo de confidencialidade específico. Mas a possibilidade de um colapso semelhante ao que existe entre a UE e os EUA é o suficiente gerar preocupação às empresas.
A ameaça é semelhante a enfrentada por milhares de empresas que armazenam dados europeus nos EUA, que têm operado em um "limbo legal" desde que o Tribunal de Justiça do bloco europeu declarou inválido o acordo para a transferência de dados pessoais, estabelecido entre Bruxelas e Washington, conhecido como Safe Arbour ("Porto Seguro"), em outubro do ano passado. O governo dos EUA e a Comissão Europeia, braço executivo da UE, estão pressionando por um acordo de substituição, mas as empresas e advogados dizem que ele pode acabar sendo contestado na Justiça, de novo, por razões de segurança.
A questão da transferência de dados é apenas a ponta do iceberg do bloco de incertezas legais e logísticas que permeia as empresas, após o plebiscito da semana passada que decidiu pela saída do Reino Unido da UE. Um dos argumentos da Grã-Bretanha para sair era se livrar das regulamentações restritivas da UE. Mas, embora algumas empresas criticassem essas regras, companhias de setores como o de serviços financeiros agora estão analisando o que fazer se não puderem mais acessar o mercado europeu a partir do Reino Unido.
As regras de proteção de dados da UE têm sido uma questão espinhosa para grandes empresas como o Facebook e o Google, que por diversas vezes entraram em choque com os órgãos reguladores da privacidade na França, Alemanha e em outros países, envolvendo, por exemplo, o "direito a ser esquecido" ou o rastreamento de usuários. A nova lei de privacidade da UE que as empresas terão de cumprir a partir de 2018 inclui regras mais duras sobre como obter o consentimento dos usuários e dá aos reguladores a capacidade de efetuar multas pesadíssimas.
Para muitos analistas, o novo governo do Reino Unido vai encontrar um cenário difícil com a decisão de distanciar-se da UE, o que pode tornar complicado também a atuação das empresas que têm seus data centers no país. O jornal americano procurou a Amazon.com, IBM e a Microsoft para comentar o assunto, mas nenhuma respondeu ao pedido. Em uma carta aberta antes da votação da Brexit, a Microsoft disse que a adesão à UE foi um dos fatores que motivou seus investimentos no Reino Unido, incluindo a construção de um novo data center.