Privacidade: STF inicia julgamento que autoriza acesso a dados bancários sem ordem judicial

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O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na sessão extraordinária nesta quarta-feira, 17, o julgamento de cinco processos que questionam o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, regulamentado pelo Decreto 3.724/2001, que permite aos bancos fornecerem dados bancários de contribuintes à Receita Federal, sem prévia autorização judicial. O julgamento será retomado na sessão desta quinta-feira, com o voto dos relatores e dos demais ministros.

O tema, está em discussão no Recurso Extraordinário (RE) 601314, com repercussão geral reconhecida, e em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que também contestam a flexibilização do sigilo das operações financeiras. Ajuizadas por partidos políticos e confederações patronais, as ações sustentam que o dispositivo é inconstitucional por violação ao artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal.

Em recurso extraordinário, de relatoria do ministro Edson Fachin, um contribuinte questiona acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, por unanimidade, considerou válido o artigo 6º da LC 105/2001. O contribuinte questiona tanto o acesso aos dados, quanto o seu uso, por meio de cruzamento de informações, para checar possíveis divergências entre a declaração fiscal de pessoas físicas e jurídicas e os valores apurados pela Receita a título de créditos tributários. O julgamento deste recurso vai liberar 353 processos sobrestados em todo o País à espera do entendimento do STF sobre o tema.

As quatro ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas para questionar os dispositivos que permitem acesso aos dados bancários protegidos por sigilo são de relatoria do ministro Dias Toffoli, que preparou relatório e voto conjunto para julgamento. Na ADI 2390, o Partido Social Liberal (PSL), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) argumentam que não cabe às autoridades tributárias terem acesso às movimentações bancárias de qualquer cidadão sem autorização judicial, sob pena de violação de direitos fundamentais constitucionalmente previstos.

Argumentos semelhantes são apresentados individualmente na ADI 2386 ajuizada pela CNC que alega ofensa ao princípio da razoabilidade, por entender que o "monitoramento indiscriminado" não é indispensável para a eficiente fiscalização tributária; como também na ADI 2397, ajuizada pela CNI. Na ADI 2859, o PTB questiona o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 e também os Decretos 4.489 e 4.545, ambos de 2002, que regulamentam a prestação de informações por parte das instituições financeiras à Receita Federal.

O advogado da CNI, Sérgio Campinho também defendeu a autorização judicial prévia. "Quem pode fazer esta ponderação no caso concreto, se houver conflito entre o direito individual, o direito fundamental e o interesse público? O estado. Mas não o estado administrador, certamente, e sim o estado juiz, o poder judiciário".

A secretária-geral de contencioso da Advocacia-Geral da União (AGU), Grace Mendonça, também defendeu que não se pode falar em quebra de sigilo bancário. "Na verdade as instituições financeiras que devem guardar o sigilo assegurado constitucionalmente passam, portanto transferem, à Receita Federal do Brasil, a ciência [o conhecimento] em torno dessa movimentação". Segundo ela, a finalidade é poder comparar o que é apresentado nas declarações e as movimentações feitas e que a intenção é dar celeridade ao procedimento.

OAB

Na qualidade de amicus curiae, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que a Instrução Normativa 1.571, de 2 de julho de 2015, da Receita Federal, obriga as instituições financeiras, empresas de seguro e capitalização, clubes e fundos de investimentos a prestarem informações sobre a vida do contribuinte no período anual e mensalmente, portanto esse compartilhamento de informações é automático e não decorrente de procedimento administrativo, como sustenta a União. O representante da OAB manifestou o temor de os dados protegidos por sigilo caírem "em mãos de arapongas".

O advogado Ricardo Martins, que representa um contribuinte, defendeu a necessidade da autorização judicial prévia. "Se todos os dados dos contribuintes ficarem à disposição da autoridade fiscal sem a prévia autorização do poder judiciário, os contribuintes permanecerão em um estado de fiscalização contínua". Para o advogado, o entendimento fere o direito de proteção ao sigilo bancário. Martins argumentou ainda que, além da Receita Federal, outros agentes estaduais também teriam acesso automático a dados sem autorização, banalizando assim o acesso às informações.

O Banco Central defendeu a constitucionalidade da LC 105/2001. Para a entidade, o direito ao sigilo não é absoluto, devendo ceder espaço à atuação eficiente e colaborativa de órgãos públicos que, em defesa do interesse público, trabalham para prevenir e combater graves ilícitos que atingem a sociedade, para promover isonomia e justiça tributária e para supervisionar os mercados financeiros e de capitais. Na sustentação foi dito que será impossível ao Banco Central zelar pela moeda e pelo sistema financeiro em que a moeda circula sem acesso a esses dados.

O que está em jogo?

Para o advogado especialista em direito digital e sócio de HMO Advogados, Gustavo Artese, o julgamento é mais um caso que envolve a discussão sobre os limites do poder do Estado sobre a vida privada dos cidadãos.  Ele resume: "é, nos temas, da fiscalização financeira e tributária, a velha questão do Big Brother", para depois lembrar que "boa parte das normas e regras de proteção à privacidade da era moderna surgiu exatamente dessa discussão, afinal, foi o Estado (único a ter o interesse e os recursos para isso), o primeiro a utilizar a informática para massivamente coletar e processar dados que dizem respeito a todos nós."

Para Gustavo, "é natural e esperado que o Fisco e Banco Central se apoiem no interesse público para justificar a relativização de um direito individual tão importante", e continua, "só que não se pode esquecer que a proteção à privacidade também encontra fundamento no interesse público. É um valor social importantíssimo."

Segundo Gustavo a escolha que os recorrentes pedem que o STF faça pode ser resumida da seguinte forma: "como sociedade queremos ou não retirar – ou enfraquecer – uma proteção histórica e fundamental em nome de maiores poderes de arrecadação, administração da justiça e vigilância?" Ou em outras palavras, valerão no Brasil os argumentos que ˜se você não tem nada a esconder, você não deve se preocupar com a vigilância do governo?", ou que, "não há nada a temer, já que o fisco e a autoridade monetária só estão atrás de irregularidades e de criminosos? " ou, ainda, que "dado poder à administração pública, ela sempre agirá no interesse público?"

Ele sugere que, na medida do que for possível quanto à amplitude de sua decisão, o STF não deve se restringir a responder a essas perguntas com um "sim" ou um "não", isto é, se limitar a julgar sobre a constitucionalidade do artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 e das demais normas sub judice.  Para ele, a decisão do STF deve partir do pressuposto que os interesses em jogo não são necessariamente incompatíveis. Não se trata de simplesmente sacrificar a privacidade em nome de eficiência administrativa.  É sempre possível permitir algum fluxo de informações desde que uma série de proteções e salvaguardas sejam implementadas.  É isso que toda legislação moderna de proteção à privacidade procura fazer.

Para o advogado Carlos Navarro, gestor da área de tributação da Viseu Advogados, se manifestou contrário à liberação de dados de informações bancárias sem autorização judicial prévia.

Para ele, a Receita pode "ter acesso aos dados sobre seu patrimônio, mas não como o indivíduo vai usar seu dinheiro, pois isso viola a intimidade do correntista".

Também considerou que existem fiscos em três instâncias, federal, estadual e municipal, e não há clareza do acesso que eles podem ter aos dados do contribuinte. "O Brasil tem mais de 5 mil municípios, e não existem garantias que as informações não possam ser usadas para fins políticos ou eleitorais, por exemplo, já que as mesmas poderiam ser acessadas pela autoridade municipal."

Procuradoria da República

Em sua manifestação pela constitucionalidade da lei, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contestou os argumentos de que o acesso dos órgãos de controle aos dados bancários e financeiros seria uma indevida fiscalização contínua. Janot citou que em países democráticos, como os Estados Unidos, existe esse tipo de controle e que lá qualquer transação bancária acima de U$10 mil deve ser automaticamente comunicada às autoridades tributárias. Segundo Janot, "não é novidade brasileira o acesso a esses dados", não havendo quebra de sigilo, mas extensão do sigilo bancário à Receita Federal, que já detém responsabilidade sobre o sigilo fiscal.

Segundo o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, o julgamento "tem que terminar amanhã (18), esse adiamento de certa maneira, não justifica mais pedido de vista. Alguns ministros distribuíram seus votos, já enunciaram seu pedido de vista em votação anterior, de maneira que eu acho que na quinta vamos terminar isto." (Com informações da agência Brasil e STF).

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