Como a indústria da moda pode ser mais sustentável utilizando o blockchain

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Nos últimos anos, a sustentabilidade se tornou um fator crítico para a indústria da moda, historicamente associada a altos níveis de desperdício e impacto ambiental. De acordo com a The Global Fashion Agenda, o setor gera anualmente 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis. É como imaginarmos o equivalente a um caminhão de lixo cheio de roupas sendo incinerado ou descartado em aterros sanitários a cada segundo.

Além disso, a indústria responde por 2% a 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, 9% da poluição por microplásticos nos oceanos e consome 215 trilhões de litros de água por ano – o equivalente a 86 milhões de piscinas olímpicas. O impacto ao meio ambiente não para por aí, ele se estende ao uso de substâncias químicas no processo de produção. Estima-se que 15 mil produtos sejam empregados na fabricação têxtil, alguns dos quais permanecem no meio ambiente por décadas.

Ao ver esses números, é impossível ignorar a necessidade de uma transformação radical no setor. Mas será que a indústria está realmente disposta a adotar mudanças profundas ou seguirá presa a práticas insustentáveis?

Para ajudar a melhorar a realidade desse cenário tão preocupante, felizmente, novas tecnologias surgem como aliadas para tornar a produção mais responsável, e o blockchain se destaca como uma das mais promissoras.

O blockchain é uma tecnologia que permite registrar e rastrear transações de forma segura, transparente e imutável, garantindo a autenticidade das informações. Na indústria da moda, ele é utilizado para promover visibilidade e transparência ao longo da cadeia produtiva, combatendo o greenwashing — a prática de empresas que criam uma imagem falsa de responsabilidade ambiental para atrair consumidores, sem adotar realmente práticas sustentáveis. Assim, o blockchain permite que os consumidores façam escolhas mais informadas, incentivando uma mudança em direção a um mercado mais ético e sustentável.

No Brasil, empresas do setor têm adotado blockchain para registrar desde a origem das matérias-primas até a distribuição final das peças. Algumas das grandes marcas de moda já implementaram soluções baseadas em blockchain para rastrear sua linha de produtos sustentáveis, permitindo que os clientes verifiquem a procedência de cada item que compõem as peças. A tecnologia garante transparência e rastreabilidade, registrando cada etapa do processo de produção, desde a matéria-prima até a entrega, e fornecendo aos consumidores informações confiáveis sobre o impacto ambiental e a origem de seus produtos.

Benefícios ambientais da moda sustentável com blockchain

Segundo a Fundação Ellen MacArthur, o setor de moda é responsável por 90% do desperdício têxtil, principalmente no processamento de materiais e extração de insumos. Essa evolução com a utiilização de tecnologias de rastreio é, portanto, essencial para a indústria da moda no Brasil, que movimentou R$ 215 bilhões em 2024, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), e gerou 30,7 mil novos postos de trabalho no mesmo período, totalizando 1,3 milhão de empregos diretos. Ao alinhar inovação tecnológica e sustentabilidade, o setor busca reduzir desperdícios e otimizar processos produtivos, tornando-se mais eficiente e ambientalmente responsável.

Outro ponto importante na implementação do blockchain é que a tecnologia permite um controle mais rigoroso do consumo hídrico, garantindo que as empresas utilizem a água de maneira eficiente e sustentável. Isso é especialmente relevante para a indústria têxtil. Para se ter uma ideia, a produção de uma única calça jeans pode demandar cerca de 10.000 litros de água, enquanto globalmente o setor consome impressionantes 93 trilhões de litros anualmente, segundo dados da Menos 1 Lixo. No Brasil, com aproximadamente 5.000 indústrias têxteis em operação, o impacto desse consumo é significativo, reforçando a necessidade de soluções tecnológicas que promovam o uso responsável da água.

No aspecto social, o blockchain é fundamental no combate ao trabalho escravo e às condições degradantes na cadeia produtiva, garantindo transparência e permitindo que marcas monitorem o cumprimento das normas trabalhistas pelos fornecedores. Isso protege os direitos dos trabalhadores e promove uma indústria da moda ética. Em 2022, estudo do Ministério Público do Trabalho revelou que metade das costureiras refugiadas e imigrantes em São Paulo trabalha na informalidade, com 44% enfrentando jornadas acima de 12 horas. Além disso, 80% são mães, muitas com renda familiar abaixo de dois salários mínimos, evidenciando a vulnerabilidade que o blockchain pode ajudar a reduzir.

Além de promover o consumo consciente, a adoção de técnicas de rastreio na moda tem ganhado relevância devido à crescente demanda dos investidores, especialmente na Europa, por compromissos ESG mais sólidos, o que tem gerado pressão por controles mais rigorosos e impactado o mercado brasileiro. A CVM já começou a implementar exigências iniciais por meio das normas IFRS S1 e S2. A primeira define os requisitos gerais para a divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade das empresas, já a segunda foca especificamente na divulgação de riscos e oportunidades relacionadas às mudanças climáticas.

Todos esses dados nos mostram que a sustentabilidade na moda não pode mais ser tratada como um diferencial, ela é uma necessidade urgente. Está claro que a indústria precisa agir de forma concreta. No entanto, a tecnologia por si só não é a solução definitiva. Para que a mudança aconteça de fato, é preciso um compromisso real por parte das marcas, regulamentações mais rigorosas e uma pressão contínua dos consumidores por práticas responsáveis. A moda sustentável não pode ser apenas um nicho, ela deve se tornar o novo padrão. Afinal, em um mundo onde os recursos são finitos e as consequências da degradação ambiental já são visíveis, não há mais espaço para a irresponsabilidade. O futuro da moda precisa ser inovador, ético e, acima de tudo, sustentável.

André Salem, fundador e CEO da Fair Fashion e da Blockforce.

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