Embedded Finance e a digitalização dos serviços financeiros

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O fenômeno do Embedded Finance está redefinindo o setor financeiro global e, de forma particularmente acelerada, o mercado brasileiro e latino-americano. A digitalização dos serviços financeiros não é apenas uma tendência, mas uma necessidade estratégica para empresas tradicionais que desejam permanecer relevantes, inovar e fortalecer a fidelidade de seus clientes em um cenário cada vez mais competitivo e dinâmico. O que antes era exclusividade dos bancos — como pagamentos, crédito, seguros e investimentos — agora é oferecido de forma fluida e contextualizada em plataformas de varejo, aplicativos de mobilidade, marketplaces, redes sociais e até no agronegócio, impulsionando uma verdadeira revolução na experiência do consumidor e na inclusão financeira.

No Brasil, o crescimento do Embedded Finance é exponencial. Em 2024, o setor deve movimentar US$ 4,31 bilhões, com previsão de atingir US$ 13,82 bilhões até 2029, segundo a Research and Markets, o que representa uma taxa de crescimento anual de 26,2%. Esse avanço é alimentado por uma combinação de fatores: a penetração massiva de smartphones (mais de 155 milhões de usuários), a consolidação de uma infraestrutura digital robusta — como o sistema de pagamentos instantâneos PIX — e um ecossistema fintech vibrante, com centenas de startups ativas, colocando o Brasil entre os três maiores mercados do mundo nesse segmento.

O Embedded Finance permite que empresas de setores diversos — varejo, transporte, alimentação, saúde, imobiliário, entre outros — integrem serviços financeiros diretamente em suas jornadas digitais, eliminando atritos, ampliando o acesso e criando novas fontes de receita. Um dos maiores impactos está na inclusão financeira: milhões de brasileiros antes desbancarizados ou mal atendidos por bancos tradicionais agora têm acesso a contas digitais, crédito, seguros e investimentos de forma simples e personalizada, muitas vezes sem sequer perceber que estão utilizando um serviço financeiro formal. Esse movimento reduz barreiras históricas, democratiza o acesso ao crédito e fomenta o empreendedorismo, especialmente entre pequenas empresas e trabalhadores autônomos.

Casos emblemáticos ilustram esse potencial. O Mercado Livre, maior marketplace da América Latina, transformou-se em referência ao incorporar soluções de pagamentos, crédito e seguros diretamente em sua plataforma, tornando-se não apenas um gigante do e-commerce, mas também um dos principais players financeiros da região. Outro exemplo é o Gringo, super-app para motoristas, que oferece desde consulta de débitos até financiamento e seguro veicular, tudo integrado ao cotidiano do usuário. No varejo, gigantes como Magazine Luiza e Via (Casas Bahia) passaram a oferecer cartões, contas digitais e crédito pessoal, fortalecendo a relação com o cliente e ampliando o ticket médio.

A lógica por trás do Embedded Finance é simples, mas poderosa: oferecer o serviço financeiro certo, no momento certo, no contexto em que o cliente já está engajado. Isso gera conveniência, reduz a necessidade de múltiplos cadastros e aplicativos, e aumenta a propensão ao consumo. O modelo Buy Now, Pay Later (BNPL), por exemplo, já representa um salto de 20% a 30% nas taxas de conversão de e-commerces, além de elevar o valor médio das compras. No setor de alimentação, plataformas como iFood e Starbucks mostram como programas de fidelidade integrados a meios de pagamento e recompensas financeiras podem impulsionar recorrência e engajamento: o app de recompensas da Starbucks, por exemplo, responde por mais de 55% da receita operacional nos EUA e mantém mais de US$ 1 bilhão em saldo armazenado pelos usuários.

Para as empresas tradicionais, o desafio — e a oportunidade — está em repensar sua proposta de valor. A era em que bancos e seguradoras aguardavam o cliente em suas agências ficou para trás. Agora, o consumidor espera que o serviço financeiro esteja disponível onde ele já está: no app de delivery, na plataforma de e-commerce, no software de gestão da empresa ou até no aplicativo de mensagens. Essa mudança exige uma mentalidade aberta à colaboração com fintechs, provedores de tecnologia e até concorrentes, em um movimento de "coopetição" que tem se mostrado fundamental para acelerar a inovação.

A parceria entre iFood e Evertec + Sinqia para o laçamento do iFood Benefícios, por exemplo, demonstra como a combinação de tecnologia de ponta, licenciamento regulatório e integração com o PIX permite a empresas não financeiras oferecerem cartões, contas e pagamentos instantâneos de forma ágil e segura. Além da conveniência e do acesso, o Embedded Finance potencializa a personalização. Ao integrar dados de comportamento, consumo e histórico financeiro, empresas conseguem oferecer produtos sob medida, recomendações inteligentes e condições diferenciadas, elevando a experiência do cliente a um novo patamar. A inteligência artificial já está sendo utilizada para análise de risco, prevenção a fraudes e oferta de crédito para públicos antes considerados "invisíveis", como trabalhadores informais e pequenos empreendedores.

A digitalização dos serviços financeiros, impulsionada pelo Embedded Finance, também traz desafios relevantes. A integração de APIs seguras, a gestão de dados sensíveis e a conformidade regulatória são pontos críticos que exigem investimentos em tecnologia, governança e parcerias estratégicas. A construção de confiança do consumidor é outro fator central: é preciso educar o usuário sobre os benefícios, segurança e funcionalidades dessas novas soluções, especialmente em mercados em que a desconfiança em relação às instituições financeiras ainda é alta.

No contexto latino-americano, a expansão do Embedded Finance tem papel fundamental na promoção da inclusão financeira e na redução das desigualdades. Países como Brasil, México e Colômbia apresentam grandes contingentes de população desbancarizada ou subatendida, e a integração de serviços financeiros em plataformas digitais populares tem potencial para transformar realidades sociais e econômicas. O avanço das insurtechs, por exemplo, já elevou a penetração de seguros no Brasil, com mais de 100 startups operando no segmento e atraindo investimentos relevantes para ampliar o acesso a produtos antes restritos a uma parcela da população.

A perspectiva para os próximos anos é de aceleração desse movimento. O mercado global de Embedded Finance deve atingir US$ 7,2 trilhões até 2030, impulsionado pela demanda por soluções digitais, pela ascensão do e-commerce e pela busca de experiências cada vez mais integradas e personalizadas. No Brasil, o crescimento será potencializado pela maturidade do ecossistema fintech, pela evolução regulatória e pela disposição das empresas tradicionais em colaborar com novos entrantes, seja por meio de parcerias, investimentos ou aquisições estratégicas.

Para os executivos e líderes do setor de tecnologia, a mensagem é clara: o futuro dos serviços financeiros será construído fora dos bancos, em plataformas e aplicativos onde o consumidor já está presente e engajado. Adotar o Embedded Finance não é apenas uma questão de inovação, mas de sobrevivência e relevância em um mercado cada vez mais digital, aberto e orientado pela experiência do cliente. As empresas que compreenderem esse movimento e investirem em tecnologia, parcerias e personalização estarão melhor posicionadas para liderar a próxima onda de transformação do setor financeiro, criando valor sustentável para seus negócios e para a sociedade como um todo.

Thiago Iglesias, Head do Torq, hub de inovação da Evertec + Sinqia.

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