A possibilidade da jornada de trabalho ser composta por apenas quatro dias úteis da semana será colocada em prática no Brasil a partir de novembro. Fruto de uma parceria entre a consultoria Reconnect Happiness e a organização 4 Day Week Global, o projeto visa realizar um teste prático do modelo em 20 empresas nacionais e irá medir o nível de satisfação e produtividade dos 400 funcionários participantes.
Apesar da experiência ser pioneira no país, o estudo já vem ocorrendo em diferentes partes do mundo, como o Reino Unido, Estados Unidos e Portugal, e até aqui os resultados conquistados têm sido impactantes. De acordo com os números levantados pelas companhias que estão liderando a iniciativa, a estratégia de cortar um dia de trabalho da semana resultou numa redução de 68% no esgotamento dos profissionais, além de ter aumentado a capacidade produtiva das áreas testadas em 54%. Como consequência, a receita delas cresceu 36% comparado à média anterior.
A ideia por trás da ação é de que o aumento no número de dias livres gere uma melhora no bem-estar dos colaboradores, tendo em vista que eles terão mais tempo para aproveitar a família, amigos ou aproveitar hobbies, etc. Em contrapartida, o impacto positivo deveria ser recompensado com um aumento da produtividade, mesmo que com menos horas trabalhadas.
De forma geral, é um sinal positivo que empresas busquem alternativas no modelo de gestão que tornem o ambiente mais propício à experimentação e geração de valor. Até porque, realmente não faz muito sentido até hoje estarmos presos a um modelo de trabalho criado por Ford no início do século XX.
Mas nada é tão fácil
Apesar de favorável à experimentação, acredito que as empresas brasileiras precisam ter em mente que a questão da produtividade não será resolvida num simples estalar de dedos. Até porque, conforme apontado pelo relatório deste ano da situação global do trabalho da Gallup, apenas 23% dos trabalhadores afirmam estar realmente engajados no trabalho. Diante desse número, fica evidente que o corte de um dia útil de trabalho não tornará automaticamente todos os funcionários mais motivados de uma hora pra outra. Muito provavelmente os profissionais continuarão trabalhando os 4 dias sem engajamento.
Assim, fica difícil imaginar qualquer real impacto na produtividade dos colaboradores sem que exista, em paralelo, uma mudança significativa na cultura das companhias e dos próprios colaboradores. Tudo isso se torna ainda mais evidente quando avaliamos o contexto geral do Brasil, que ainda está longe de ser uma potência em seu desempenho de produtividade econômica no cenário global.
Prova disso é que o país aparece na 59ª colocação entre os 63 países avaliados pelo mais recente ranking mundial de competitividade do Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Gestão. Ainda pela mesma linha de raciocínio, dados levantados pela Fecomercio-SP indicam que os brasileiros levam 1 hora para produzir o que um americano produz em 15 minutos.
Tais números evidenciam a existência de falhas na formação da mão de obra no país. Não só isso, há de se ressaltar ainda o já conhecido "Custo Brasil", expressão utilizada para se referir a um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e trabalhistas que atrapalham a geração de riqueza pelos trabalhadores e empresas. Querendo ou não, esses fatores precisam ser considerados no momento de avaliar se quatro dias de trabalho renderão os mesmos resultados comparado a um contexto de um país desenvolvido.
Além disso, é necessário também entender se algum direito trabalhista está sendo violado, uma vez que de acordo com o artigo 7º inciso XIII, da Constituição Federal, existe um teto de 44 horas semanais trabalhadas, mas cabe às partes reduzir a jornada ou não mediante acordo. De qualquer forma, não há nada que garanta qual será a interpretação caso algo seja judicializado no futuro.
Mesmo com os desafios que precisam ser superados, acredito que o modelo pode ser uma alternativa interessante para valorização do capital humano. No entanto, ainda é cedo para afirmar que o formato seja o caminho ideal para todos os países, ou, mais difícil ainda, para todas as empresas. Por mais que os benefícios sejam já comprovados em diversos contextos, é necessário avaliar de forma minuciosa se tal mudança realmente trará os resultados almejados aqui no Brasil. Prudência é a melhor palavra que descreve o contexto atual.
Matheus Bombig, cofundador da Invenis.