Entre desafios e incertezas: a realidade de motoristas e entregadores por aplicativo

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O IBGE acaba de divulgar um mapeamento inédito, dentro da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), que analisa as novas formas de trabalho por meio das plataformas digitais, incluindo motoristas e entregadores por aplicativo. Os dados oficiais mostram que, em 2022, o país tinha 1,5 milhão de trabalhadores que se encaixavam nessa categoria, o que equivale a 1,7% do total da população ocupada no setor privado.

Embora outras pesquisas apontem para números muito mais expressivos, chegando até a 5 milhões de pessoas, esse dado do IBGE já dá a dimensão da crescente importância que os serviços baseados nas plataformas digitais e aplicativos vem ganhando no Brasil. Algo que só tende a aumentar, visto que o brasileiro tem se tornado cada vez mais dependente das facilidades oferecidas por esse tipo de serviço.

Quando falamos em motoristas e entregadores, não podemos deixar de lembrar que são trabalhadores autônomos que arcam com todos os custos envolvidos na atividade, como combustível, seguro e manutenção do veículo. O que esses profissionais desembolsam para executar essas atividades abocanha quase metade de seus ganhos e o pior é que, muitas vezes, eles não têm sequer visibilidade disso. O desconhecimento ou incerteza sobre a verdadeira rentabilidade de cada corrida, por exemplo, prejudicam fortemente o autônomo, que precisa de previsibilidade para planejar suas jornadas e organizar a vida financeira.

Existe pouca ou nenhuma transparência das plataformas, que tendem a priorizar o interesse dos passageiros aos de seus colaboradores. Ao não entregar informação assertiva para o trabalhador em relação aos ganhos, elas visam intencionalmente dificultar a seleção de viagens para obter melhores resultados e mais segurança. Para as plataformas, o ideal seria que esses trabalhadores aceitassem todas as ofertas de viagens e entregas cegamente.

Além disso, a precificação não acompanhou nem de perto a inflação dos últimos anos. As empresas cobram uma comissão altíssima dos trabalhadores, arrochando seus ganhos para oferecer o melhor preço aos passageiros e aumentar sua própria receita. Em outras palavras, no contexto econômico atual e com a falta de reajuste nas tarifas, motoristas e entregadores precisam estar muito atentos para conseguirem manter ganhos dignos.

E o estudo do IBGE só corrobora essa frágil situação. De acordo com o levantamento, os motoristas e entregadores por aplicativo trabalham mais horas e têm maior proporção de informalidade do que a média dos trabalhadores brasileiros do setor privado. Eles trabalham cerca de 46 horas semanais, enquanto no setor privado a média é de 39,6 horas. Já o total dos que contribuem para a previdência chega a apenas 35,7%, contra 60,8% no setor privado.

O serviço de transporte e entrega por aplicativo no país já existe há mais de uma década, tendo sido popularizado com a chegada da Uber ao Brasil em 2014. Outras empresas vieram depois, como a 99, InDrive, Wappa, Bla Bla Car e o Lady Driver, exclusivo para mulheres. Não há como negar que essas empresas foram responsáveis pela construção de um mercado.

Nesse momento de maturidade do sistema, é necessário que haja maior competição no setor de forma a melhorar a vida daqueles que fazem todo o modelo de negócio das plataformas de mobilidade e entrega acontecer – os trabalhadores. Precisamos pensar em como balancear as relações dos profissionais e garantir que possam decidir em quais plataformas têm mais vantagens, ganhos e amparo para atuar. Parte fundamental da engrenagem, as necessidades e interesses deles devem ser protegidos.

A regulamentação pode ser um caminho, mas também pode se tornar um cadafalso. O que está sendo priorizado com essa proposta? A necessidade arrecadatória ou o bem-estar e segurança desses trabalhadores. Se mal planejada, é provável que prejudique ainda mais a renda desses profissionais e piore o problema que supostamente pretendia resolver. Para isso, é essencial que antes de definir aonde se pretende chegar, sejam analisados os dados econômicos que envolvem a atividade de entrega e/ou transporte por aplicativo e incluí-los de forma ampla no debate.

Luiz Gustavo Neves e Pedro Inada, fundadores da StopClub.

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