Como fazer a precedência de direitos fundamentais, o de privacidade e de liberdade de expressão se são equivalentes na Constituição? O questionamento do subprocurador-Geral da República, Odim Brandão, resume a polêmica que permeou os debates sobre a aplicação do direito ao esquecimento na esfera civil, na audiência pública promovida, nesta segunda-feira, 12, pelo Supremo Tribunal Federal.
O tema é analisado em recurso especial, com repercussão geral reconhecida, interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que manteve sentença negando o pedido de reparação de danos feito pelos familiares da vítima de um crime de grande repercussão, ocorrido no Rio de Janeiro, na década de 1950. A divulgação dos fatos foi tema de um episódio do programa da TV Globo – Linha Direta Justiça – que, segundo os recorrentes, fora feito sem autorização da família da vítima.
Para os advogados que defendem a delineação do direito ao esquecimento pelo STF, a liberdade de expressão deve ser limitada pelo direito à privacidade. O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Costa Neto, chegou a propor um limite de cinco anos após o cumprimento da pena para divulgação de fatos que atingem vítima, família e ofensor.
Porém, representantes de instituições de estudo de direito digital e de provedores de conteúdo, veem ineficácia no cumprimento de ordens judiciais nesse sentido. Isso porque, mais de 70% das ações que envolvem direito ao esquecimento estão relacionadas com a internet. "Na rede, a lembrança é a regra e o esquecimento, a exceção", afirma o representante do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, Carlos Affonso. Para ele, é impossível definir ex-ante se um conteúdo é ou não de interesse público.
O representante do Yahoo! Brasil, André Giachetta, questiona a quem deve ser entregue a ordem judicial para remoção ou desindexação de um conteúdo das ferramentas de buscas na internet, se ao provedor ou ao autor do conteúdo. "Bloqueio por palavra-chave ou por nome pode trazer graves prejuízos à liberdade de expressão", adverte.
O representante da FGV Rio, Pablo Cerdeira, não há como os provedores removerem conteúdos manualmente, em função dos bilhões e bilhões de informações postadas na rede. Essa tarefa teria que ser feita por robôs, com grave consequências. Alexandre Pacheco, da FGV SP, alerta que o reconhecimento do direito ao esquecimento, que até agora não faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, afetará a decisão do próprio STF, de autorizar biografias não autorizadas.
Já a professora e pesquisadora da UnB, Mariana Cunha, disse que não existe precedente sobre o direito ao esquecimento na Suprema Corte dos Estados Unidos. "Nem poderia existir porque não se coaduna com a jurisprudência sobre liberdade de expressão naquele país", disse.
Mariana citou o caso do vazamento de informações da segurança nacional do Wikileaks. A Corte acusou o dono do site, mas não pediu a remoção das informações, no entendimento de que essa exigência geraria o exato efeito oposto do pretendido. "Toda vez que se tentou isso, as informações foram replicadas em inúmeros sites", afirmou.
O diretor da Google Brasil, Marcel Leonardi, afirmou que o direito ao esquecimento no Brasil é absolutamente desnecessário, pois o sistema jurídico já oferece os parâmetros necessários para que o Judiciário lide com as colisões de direitos fundamentais (privacidade e liberdade de informação) e efetue a ponderação caso a caso. Segundo ele, a comunidade jurídica fora da União Europeia considera o direito ao esquecimento um equívoco e um insulto à memória e à história.
Para Leonardi, o "suposto" direito ao esquecimento seria um nome elegante que muitas vezes é utilizado para efetuar a censura de conteúdo lícito e de informações verdadeiras. Segundo ele, esse direito seria um atalho para eliminar informações sem que haja a ponderação de direitos fundamentais e estabelecer uma preponderância presumida da privacidade de modo genérico servindo como pretexto para todo pedido de remoção de informações.
O relator do recurso especial é o ministro Dias Toffoli, que presidiu a audiência pública.