Inteligência Artificial no Marketing: Usos e Abusos

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Diferentemente dos delírios passageiros como criptomoeda e metaverso, a Inteligência Artificial apresenta o poder de alterar radicalmente nossa perspectiva de vida, os métodos de trabalho e a conexão com a natureza.

Não tenho qualquer afeição com visões de tecno-apocalipse e nem com o ludismo. Ainda assim, acho essencial reconhecer os problemas concretos que uma tecnologia pretende resolver antes de sua adoção. Sem uma análise crítica, corremos o risco profundo de comprometer nossa eficiência e atrofiar nossas vocações naturais.

Hollywood serve de exemplo. A migração em manada dos estúdios para o streaming acabou diminuindo sua capacidade de realizar estreias cinematográficas de destaque e de criar momentos culturais emblemáticos. Hoje, reconhecem o erro e desembolsam milhões buscando resgatar o modelo original.

A vocação dos profissionais de Marketing

Sem rodeios, a principal missão dos profissionais do setor é estabelecer conexões. Só eles têm a habilidade de tocar os corações e mentes dos consumidores, misturando argumentos dionisíacos e apolíneos em uma fusão única, fruto da sensibilidade humana aliada ao pragmatismo dos negócios.

Embora possa ser duro reconhecer, a sua função não está na análise avançada de dados, na gestão de processos ou na inovação tecnológica. Por mais essenciais que sejam, essas atividades servem ao seu propósito humanista: interpretar contextos sociais e culturais para guiar decisões de negócio.

Durante minha carreira, analisei retornos de inúmeras campanhas e posso afirmar com tranquilidade: marcas que estabelecem uma conexão profunda e visceral com o consumidor, criando campanhas repletas de significado, alcançam os melhores resultados.

Os CMO's que escolherem delegar sua essência criativa e humanista à IA correm o risco de se tornarem menos relevantes nas empresas e de produzirem resultados abaixo do esperado. 


Ciência de dados no Marketing

Uma das atividades mais relevantes dentro da área de Marketing são tomadas de decisões que sejam capazes de unir sensibilidade, intuição e análise de mercado, respondendo às tensões sociais e culturais presentes no momento. 

Um profissional de Marketing eficaz saberá responder: O que atrai o meu cliente? Quais aspectos determinam suas escolhas? O que ele prioriza? Por que a receita mostrou crescimento? O que nos fez não atingir as metas? Como o nosso preço é percebido? E qual seria sua reação a mudanças no ambiente macroeconômico?

Responder a tais questões exige uma profunda investigação das causas. Reconhecer os motivos que impulsionam os eventos em seu negócio é crucial para o responsável por decisões estratégicas. Sem esse entendimento, o gestor caminha no escuro.

Quando pensamos em análise de dados, podemos classificar os modelos essencialmente em dois: aqueles com interpretabilidade causal e aqueles que não têm. Salvo algumas raras exceções, os modelos de Inteligência Artificial se enquadram na segunda categoria. Em sua maioria, eles carecem de interpretabilidade, fornecendo prescrições e previsões sem expor os mecanismos causais que as fundamentam.

Ao entregar as decisões ao domínio da IA, o Marketing corre o risco de desviar o olhar do que é primordial: o entendimento das causas.

O CMO deve priorizar, nas atividades de ciência de dados, modelos que inferem causas, tais como testes AB, análises de incrementalidade e regressões. A prevalência dos modelos de inferência causal sobre modelos de IA é mais um pilar importante para a continuidade da relevância do seu departamento.

A vocação da Inteligência Artificial

Mas afinal, quais são as vocações da Inteligência Artificial? A automação de tarefas que exigem baixa sensibilidade contextual e nenhuma intuição. A IA brilha ao otimizar processos propensos a erros humanos e aliviar-nos de tarefas repetitivas.

O bom uso dela irá, em vez de automatizar as nossas tendências, fortalecer e aumentar o tempo que temos disponível para elas. Considere a programação: a Inteligência Artificial não tem como objetivo eliminar o programador, mas sim potencializar e agilizar o esforço daqueles cujo o objetivo é desenhar arquiteturas de código sofisticadas para desenvolver produtos. Da mesma forma, designers e animadores poderão investir mais tempo na elaboração de conceitos inovadores em vez de focar nos pormenores de sua execução, estes mais suscetíveis à automação.

Espero que nas áreas de Marketing, assim como em outras, a Inteligência Artificial não venha a assumir tarefas que são essencialmente vocacionais e humanas.

Daniel Guinezi, CEO e Cofundador da Uncover.

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