Na década de 80, foi lançado um filme chamado "2010 – O Ano Em Que Faremos Contato" cuja proposta era ser uma continuação de "2001 – Uma Odisseia no Espaço". Entre outras especulações, a obra sugeria que a missão espacial realizada no início da década passada marcaria o primeiro encontro entre os habitantes da Terra e seres extraterrestres. Guardadas as devidas proporções entre a ficção científica e o mundo real, o fato é que para o brasileiro comum, falar em usar uma criptomoeda e não uma nota de papel ou uma moeda metálica para fazer as compras do dia a dia pode parecer algo tão distante quanto conversar sobre o resultado do jogo do seu time com um marciano, por exemplo.
Mas neste sentido, pelo menos no caso do Brasil, todas as comemorações pelos êxitos alcançados pelo Pix em seu primeiro ano de existência permitem uma especulação a respeito da tese de ter sido este o ano em que fizemos contato com o Real Digital, a criptomoeda que está sendo estudada pelo Banco Central que seria o passo definitivo para a eliminação do dinheiro em espécie como conhecemos.
Afinal, segundo as palavras do próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, durante evento para celebrar a data, o Pix incentiva a eletronização dos pagamentos, faz frente ao contexto de digitalização dos negócios, amplia a eficiência do mercado e é um importante vetor para a promoção da inclusão financeira. Os números oficiais mostram que o pagamento instantâneo chegou ao seu primeiro ano de vida sendo usado por 104,4 milhões de pessoas de todas as faixas de renda, o que representa 62,4% da população adulta.
No total, já foram realizadas sete bilhões de transações com a ferramenta, com um volume financeiro movimentado de R$ 4,1 trilhões. Com isso, cerca de R$ 40 bilhões em espécie deixaram de circular no Brasil entre janeiro e outubro deste ano. A queda foi de 10,5% em comparação com o final do ano passado, segundo dados do BC.
Apesar de impressionantes, esses números ainda parecem ser apenas o começo da revolução, já que as novas funcionalidades já programadas e com datas marcadas para entrar em funcionamento prometem acelerar ainda mais a preferência do brasileiro por este instrumento financeiro.
Os próximos passos são o Pix Saque, o Pix Troco e a Iniciação de transação de pagamento, todos já com regras divulgadas e uma agenda gradual de adoção definida. Um pouco mais distante, porém já ao alcance da vista dos condutores deste foguete, aparecem o débito automático e o Pix internacional.
Mas essa seria ainda apenas a Odisseia no espaço do Pix. O que falar sobre o contato com o Real Digital ?
Desde agosto do ano passado, quando formou um grupo de estudo sobre emissão da moeda digital, o Banco Central tem se dedicado a analisar por todos os ângulos a viabilidade do desenvolvimento de uma CBDC (Central Bank Digital Currency) brasileira, que tem sido batizada como Real Digital. Entre outros benefícios, um dos principais argumentos é a redução do custo de emissão e manutenção do numerário, cédulas e moedas que circulam na economia. O valor estimado para manter o ciclo do dinheiro, considerando a emissão, custódia, distribuição, manuseio pelo comércio, recolhimento, descarte e demais custos indiretos é de aproximadamente R$ 90 bilhões por ano, variando entre 1% e 2% do PIB.
Em 2021, o órgão promoveu uma série de webinars sobre o assunto, e especialistas debateram as oportunidades e riscos existentes na proposta e quais seriam os melhores caminhos a seguir. Além da economia de recursos, os técnicos destacam o potencial de aplicação de novas tecnologias com o Real Digital, como smart contracts, IoT e dinheiro programável, em novos modelos de negócio, que aumentem a eficiência do sistema de pagamentos.
Desta forma, a julgar pelo sucesso do Pix, que mais uma vez comprova o gosto do brasileiro por inovação e tecnologia, somado com às promessas de transformações oferecidas pela evolução do Open Banking, parece possível imaginar que em 2030, nas comemorações pelo décimo aniversário do Pix , alguém se refira a 2021 como o ano em que tivemos contato com este ambiente futurístico nas relações comerciais e financeiras.
Neste caso, a hipótese é de que, aos poucos, o Pix vá recebendo melhorias, novas funcionalidades e aplicações até que se transforme no Real Digital.
Depois disso, o céu não é mais o limite!
Renato Aragon, associate director da Xsfera.