Pesquisadores brasileiros lançaram uma ferramenta de crowdsourcing e vigilância participativa que vai permitir aos cientistas e órgãos de saúde prever as tendências de avanço da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Pelo site do Movimento Brasil Sem Corona é possível acessar gratuitamente um mapa nacional de risco de contágio, atualizado em tempo real e feito a partir de relatos de sintomas de brasileiros. A iniciativa é encabeçada pelas startups Colab e Epitrack e conta com o apoio de empresas, instituições e governos de todo o Brasil.
Pelo Colab, plataforma de engajamento de cidadãos e governos, os brasileiros estão respondendo diariamente a um questionário sobre seu estado de saúde. As informações reportadas são analisadas e organizadas como casos suspeitos, graves e confirmados pelo algoritmo desenvolvido pela Epitrack, startup de inteligência de dados para o monitoramento e controle de doenças que já ofereceu soluções para grandes eventos de massa como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos realizados no Brasil.
A Epitrack é comandada por Onicio Leal, epidemiologista, PhD em Saúde Pública e pesquisador sênior do departamento de Economia da Universidade de Zurich, e Jones Albuquerque, cientista da computação com pós-doutorado em epidemiologia computacional e pesquisador do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami, da Universidade Federal de Pernambuco.
Eles estão analisando os dados gerados a partir do aplicativo para elaborar previsões sobre como o vírus está se espalhando em diferentes territórios, além de previsões de casos que podem surgir em até 14 dias.
"A nossa ferramenta funciona como um complemento aos sistemas de vigilância da saúde. Saber que há uma aglomeração de pessoas relatando sintomas semelhantes em um determinado período e território ajuda os órgãos acompanhar a pandemia, fazer predições, monitorar os casos suspeitos e planejar ações de combate", diz Onicio Leal, epidemiologista cofundador da Epitrack.
Desde que o questionário Brasil Sem Corona foi ao ar pelo aplicativo Colab, no dia 20 de março, a ferramenta já conta com a participação de mais de 17 mil brasileiros. O aplicativo já era usado por mais de 300 mil usuários e 100 prefeituras em todo o Brasil. As gestões públicas de Maceió (AL), Santo André (SP) e Ipojuca (PE) já utilizam os dados como complemento às informações oficiais de seus sistemas de saúde. O Movimento Brasil Sem Corona também fornecerá gratuitamente planilhas para gestores públicos que quiserem ter acesso às informações detalhadas do território em que atuam.
Tanto Colab como Epitrack usam serviços de computação em nuvem da da Amazon Web Services (AWS), que doou US$ 75 mil em créditos de servidores para a plataforma Brasil Sem Corona.
Combate à subnotificação
A ferramenta de vigilância participativa é um dos métodos alternativos ao sistema de saúde oficial que pode ajudar a combater o problema da subnotificação de casos de infecção pelo novo coronavírus.
Um estudo em andamento do Centro de Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres* estima a quantidade de casos de COVID-19 em países com mais de 10 mortes e a porcentagem de notificação. Segundo o estudo, no Brasil apenas 7,8% dos casos chegam a ser notificados.
Os modelos para correção das estimativas deste estudo são revisados e atualizados quase que diariamente, à medida em que a epidemia evolui nos diferentes países. Os ajustes são necessários para considerar os diferentes contextos e características sócio-demográficas.
Vantagens da vigilância participativa
Estudos científicos apontam que a vigilância participativa por plataformas de crowdsourcing conseguem antecipar o surgimento de alguns surtos e epidemias em até duas semanas. Além disso, a vigilância participativa possibilita que os cidadãos que estão relatando seus sintomas tenham visibilidade para o comportamento da epidemia no seu entorno.
E fazer isso por meio de um aplicativo de celular ainda traz vantagens como possibilidade de fazer pesquisas randomizadas, obtenção de dados geolocalizados, atualização em tempo real e criação de um canal direto entre população, governos e pesquisadores.
Na Coreia do Sul, um dos países que mais conseguiu frear a disseminação do novo coronavírus, o governo usou um aplicativo para monitorar o estado de saúde de visitantes que chegavam de áreas de risco, que tinham que responder diariamente sobre seus sintomas. A ferramenta também foi usada para acompanhar o estado de saúde da população durante a quarentena. Esse tipo de monitoramento pode ajudar a orientar os testes em massa com a população, outra estratégia-chave adotada pela Coreia do Sul para o controle da COVID-19.
Como participar
Para participar, basta responder ao questionário "Brasil Sem Corona" no aplicativo Colab, disponível para sistemas Android e IOS. Primeiro, o usuário irá informar se está se sentindo bem ou não. Se disser que está bem, será questionado sobre se entrou em contato com alguém que apresenta os sintomas da COVID-19, o que também poderia indicar certo grau de risco, e se mora com um idoso, para detectar o risco desse grupo.
Se o usuário disser que não está se sentindo bem, irá responder a uma série de perguntas sobre sintomas e se chegou a procurar o sistema de saúde, o que pode ser um indicativo de que seus sintomas são graves.
Dúvidas e denúncias
Pelo Colab, também é possível tirar dúvidas sobre a COVID-19 com a assistente virtual inteligente Cloudia, chatbot da área da saúde para clínicas e hospitais que foi incorporada no aplicativo. Ela informa, entre outras coisas, sobre números recentes da contaminação no Brasil e no mundo, sintomas da doença, dicas de como se proteger e esclarece mitos ou notícias falsas.
Os usuários ainda podem denunciar a prática de preço abusivo de um produto básico, evento ou comércio aberto irregularmente, filas e aglomerações de pessoas em hospitais e postos de saúde e falta de abastecimento de alimento, remédios e produtos básicos.
As denúncias chegam diretamente por um sistema de gestão para as prefeituras que usam o Colab, e os gestores responsáveis podem atuar com agilidade para resolver o problema.