Competindo com as máquinas e não contra as máquinas

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Muito se tem discutido no campo da ciência de dados e da inteligência artificial (IA) sobre os potenciais impactos negativos dessas novas tecnologias num futuro próximo. Muitos analistas expressam preocupação com a extinção de profissões e o desemprego em massa com a crescente disseminação da IA.

Dois exemplos recentes despertaram minha atenção para o fato de que o uso da IA pode vir a ter um desdobramento diferente dessas previsões. O campo de atuação que despertou o meu interesse pode soar controverso. Refiro-me ao trabalho dos DJs, que é apontado por muitos como fadado à extinção e, por outros, de natureza inviolável ao uso de IA por envolver criatividade. No entanto, convido você, leitor, a navegar por caminhos talvez desconhecidos, mas que lhe oferecerão novos pontos de vista sobre a relação dos profissionais e as máquinas.

O primeiro exemplo é uma tentativa de reproduzir o trabalho do DJ por meio de um robô comandado por algoritmos de IA. Trata-se do projeto denominado "AI DJ Project", do coletivo de artistas japoneses Qosmo. Além das técnicas convencionais de mixagem, o AI DJ contou com um algoritmo para escolher a música a ser tocada com base em uma medição do quanto a plateia apreciava a música em execução. O robô foi capaz de medir o movimento das pessoas na pista de dança para saber se estavam dançando e, consequentemente, apreciando a música. Quando a resposta era positiva, o robô fazia escolhas semelhantes à música tocada para manter o clima na pista. Porém, o problema surgiu quando a resposta passou a ser negativa, pois nesta situação o robô passou a fazer escolhas com base em um fator randômico – o que gerou mais respostas negativas, levando à incerteza no processo de escolha da música seguinte.

Incialmente pensado para ser um DJ de apoio, tocando em conjunto com um profissional de 'carne e osso' (no esquema conhecido como back-to-back), o AI DJ Project mostrou-se precisar de aperfeiçoamento para ser definitivamente adotado nas pistas de dança. O que não tira o mérito do experimento e do extraordinário trabalho do Qosmo. No entanto, um DJ 100% comandado por IA ainda me parece muito distante da realidade.

Já no meu segundo exemplo, trago pretensões mais modestas, porém com resultados melhores e que podem oferecer novas possibilidades ao trabalho de um DJ. Esse case é protagonizado pela empresa alemã Algoriddim, que desenvolveu um software de mixagem que contém um algoritmo chamado "Neural Mix". Ele é capaz de separar os elementos sonoros de uma determinada faixa de música. O DJ pode a qualquer momento dividir a bateria, a voz do cantor ou o acompanhamento instrumental da música e, assim, fazer mixagens inusitadas com os vocais de uma música e a bateria de outra, por exemplo.

O coach de DJs britânico Jamie Hartley (que têm centenas de milhares de seguidores em seu canal do Youtube) classificou esta inovação como algo que pode mudar o trabalho dos DJs para sempre. Hartley destaca que os DJs sempre procuraram por algo que pudesse fazer essa separação, usando recursos como o precário corte de sons graves e agudos.

Esse produto já começou a ser comercializado e adotado por DJs. Concorrentes da Algoriddim já anunciaram que implementarão a tecnologia em seus produtos, comprovando que ela veio para ficar.

O que esses cases sugerem é que o uso da IA terá um papel muito maior em alavancar, melhorar e trazer produtividade ao trabalho humano, do que propriamente substituí-lo. A inteligência artificial também criará oportunidades de inovação até então impensadas. O desafio das sociedades será de romper barreiras comportamentais e de qualificação, para incorporar essa nova tecnologia no mundo do trabalho.

Como o campeão de xadrez Garry Kasparov destaca, devemos pensar muito mais em inteligência aumentada do que exclusivamente em IA. A inteligência aumentada combina o melhor das inteligências humana e artificial. Segundo ele, nós, os humanos, não nos tornaremos obsoletos, mas seremos promovidos.

Nárcio Tabach é consultor da TGT Consult.

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