Muitos pessoas, quando escutam a palavra desenvolvedor de software, logo associam com aquele jovem com calças abaixo da cintura, MP3 no ouvido, boné na cabeça, que enfeita sua mesa com uma grande quantidade de canecas, bonecos e outros adereços. Normalmente fica sentado à frente do computador, com uma caneta na mão, girando-a de um lado para o outro, e com a outra mão mexendo no mouse ou acionando as teclas "Alt + Tab", alternando as telas de uma ferramenta de desenvolvimento para o Facebook, o Twitter ou para o Google, com o objetivo de caçar uma solução para algum bug na aplicação que esta desenvolvendo.
Atualmente, os perfis dos profissionais de desenvolvimento de sistemas encontrados nas fábricas de software são bem diferentes de antigamente. O organograma hoje é povoado por analistas de requisitos, analistas de testes, arquitetos, web design, analista de homologação e, claro, desenvolvedores.
Há poucas décadas, os analistas de sistemas eram os responsáveis por praticamente todo o ciclo do desenvolvimento de uma aplicação. Trabalhavam, em sua maioria, com mainframe, possuíam uma maturidade profissional e pessoal maior do que a dos atuais desenvolvedores, além de um conhecimento tecnológico mais generalista. Não é raro encontrar saudosistas ecoando que naquela época a qualidade dos produtos eram superiores e entregues no prazo.
As mudanças nos perfis e nas carreiras são tão rápidas quanto a velocidade do avanço da tecnologia. Da mesma maneira que aparecem novas tecnologias todos os dias enterrando as antigas, com as carreiras não é diferente. Aparecem novos perfis e várias carreiras importantes são extintas indiscriminadamente, incluindo algumas que já tiveram grande importância como digitadores e operadores.
Uma curiosidade, que em outros tempos era incomum, vem caracterizando as tribos de novos profissionais de desenvolvimento de sistemas que são o aparecimento das chamadas "igrejas". Entusiastas do Java radicalmente contrários aos devotos do .Net, adeptos de acaloradas discussões para provar que é muito melhor desenvolver em linguagem Java do que em .Net. Há, ainda, facções xiitas do SQL que pregam que o Oracle está ultrapassado.
Essas alterações de perfis e de mercado apresentam algumas distorções perversas para os profissionais. O que aparentemente parece ser uma boa opção para se ganhar dinheiro, pulando de uma empresa para outra por alguns reais/hora a mais no fim do mês, vem se mostrando uma atitude arriscada no longo prazo, pois além da falta de identidade corporativa (o que prejudica a carreira), a vida útil de um desenvolvedor vem diminuindo a cada dia. É muito comum empresas de consultoria, que hoje são as grandes demandadoras por esse tipo de mão de obra, dispensarem desenvolvedores mais velhos e mais caros por um bando de garotos mais "micreiros" e mais baratos. A lógica irracional — e sempre incorreta — visa colocar mais júniores mais baratos para fazer o mesmo trabalho que um sênior mais caro faria. E alguns ainda acreditam que em menos tempo.
Outra alteração importante nesse mercado vem sendo as facilidades e a comoditização das aplicações. Criar uma página Web com loja virtual não é mais um trabalho para um grande especialista. Diversos provedores disponibilizam ferramentas que auxiliam até um leigo a criar e publicar sua loja virtual.
No mundo corporativo, a situação vem se definindo. Enquanto fora das fronteiras brasileiras a aquisição por grandes sistemas customizáveis é uma tendência, por aqui a contratação de desenvolvimento de sistemas à la carte ainda é muito presente.
A grande dúvida do CIO é optar por ter o domínio do código-fonte por um custo relativamente baixo, mas com o risco de ter sistemas rapidamente desatualizados e obsoletos, ou ficar nas mãos dos grandes fabricantes, que apesar de atualizam e desenvolvem as aplicações constantemente, cobram valores muitas vezes impraticáveis pelas atualizações.
Fazendo uma projeção para daqui alguns anos, a tendência é encontrarmos o pessoal do mainframe com os cabelos mais brancos que hoje, mas ainda pilotando seu velho e bom Cobol. As soluções empresariais, cada dia mais robustas, líderes de mercado, um monte de desenvolvedores ainda sonha com a possibilidade de derrubar ou se alinhar a alguma "igreja" existente. Ou mesmo àquelas que existirão.
O fato é que a cada dia geramos mais e mais linhas de códigos para mais e mais dispositivos diferentes, novas linguagens, novas soluções e, claro, novos milionários. Obviamente este não é um ciclo infinito e estará sempre em constante mutação.
Se o profissional que desenvolvia um site de internet no início do milênio aparecesse para trabalhar nas empresas hoje, muito dificilmente conseguiria utilizar seu conhecimento para as soluções demandadas atualmente. E fica claro que os conhecedores das soluções atuais pouco — ou quase nada — terão valor daqui poucos anos com as novas tecnologias batendo à porta.
Se o modelo do analista de sistemas dominante há poucas décadas foi extinto, não dá para acreditar que os modelos atuais de carreiras não sofrerão mutações e aperfeiçoamentos. O importante é conseguir não entrar na piração de ter que aprender tudo a todo momento. Muito menos achar que aquilo que conhece será eterno. O que é certo é que o desenvolvedor que tem seu foco único no desenvolvimento de linha de código sem uma visão ampla da solução e dos sistemas com certeza, em não muito tempo, serão peças de museu.
*Alberto Marcelo Parada é formado em administração de empresas e análise de sistemas, com especializações em gestão de projetos pela FIAP. Já atuou em empresas como IBM, CPM-Braxis, Fidelity, Banespa, entre outras. Atualmente integra o quadro docente nos cursos de MBA da FIAP, além de ser diretor de projetos sustentáveis da Sucesu-SP.