Quando o assunto é produto digital, a interface dele influencia diretamente na experiência do usuário. UI, sigla de User Interface, é a camada do produto que o cliente vê. Se bem estruturada, ela permite, de forma fácil e intuitiva, a realização de ações que podem ser comprar um produto, contratar um serviço, assistir a filmes ou séries, ouvir músicas, entre outros.
Uma interface confusa ou mal projetada pode comprometer a adoção, por parte do consumidor, de um produto digital mesmo que ele seja inovador, veloz e estável. Em alguns casos, o cliente pode desistir de usar o produto ainda na página inicial, caso enfrente dificuldades logo no início da jornada. Em outros, o consumidor pode até usar o produto, mas isso não impede que críticas e memes sobre a UI sejam publicadas nas redes sociais, citando, por exemplo, como ir ao espaço pode ser mais fácil do que fazer melhorias na UI de uma plataforma de vídeos.
Ou seja, realizar testes para detectar bugs em outras camadas do produto, corrigir esses problemas, aprimorar as funcionalidades e reduzir o tempo de carregamento, podem ser melhorias que não serão notadas pelo usuário, já que ele desistiu de usar seu produto ainda nas primeiras ações. Por isso, a UI também deve ser testada e avaliada pelos profissionais responsáveis pela qualidade.
Equilíbrio entre ajudar e ser intrusivo
Uma boa interface deve ser amigável, eficiente e intuitiva. Ela é desenvolvida para reduzir a possibilidade de o usuário ficar confuso e permitir que ele se lembre dos passos percorridos quando voltar a usar o produto depois de algum tempo. Mas equilibrar essas características em um mundo onde pessoas com diferentes níveis de conhecimento em tecnologia usam os mesmos produtos é complexo.
Um exemplo negativo são questionários nos quais o usuário não consegue avançar pois é necessário apertar um botão que preenche de forma automática informações como CEP, endereço ou estado, mas o usuário não é informado que precisa executar esse comando. Apesar de o botão ter sido criado para auxiliar, o cliente, ao não conseguir prosseguir, pode acreditar que o produto tem algum problema e, após algumas tentativas, desistir de usá-lo.
Já a Netflix é um bom exemplo de interface, onde crianças e pessoas com idade mais avançada conseguem navegar de forma fluída e intuitiva. Neste caso, a funcionalidade que completa as informações ajuda o espectador, pois ele pode optar se quer usar ou não a ferramenta para completar as informações e utilizar as sugestões indicadas. Caso ele opte por seguir com a digitação, a plataforma não impede essa ação.
O que aprender com outros setores
Muitos carros já nascem como projetos mundiais, ou seja, serão vendidos em vários países, com adaptações nos motores ou dispositivos de segurança, para se adequar às legislações locais. No entanto, o espaço para os ocupantes, incluindo o motorista, usualmente não sofre alterações, e poderá ser usado por pessoas de diferentes perfis físicos. Para acomodá-los, equipamentos como volantes e bancos com múltiplas regulagens tornaram-se comuns.
No setor de saúde, um andador pode ser regulado e utilizado por uma pessoa de 1,50m até 1,90m de altura. Mesmo produtos de menor valor agregado, como um simples cabo de vassoura, é fabricado com extensores e pode ser adaptado a pessoas com diferentes alturas. Já a fabricante de materiais esportivos, Head, criou há mais de duas décadas um sistema que possibilita a troca dos cabos de suas raquetes de tênis.
Independente do setor e do valor agregado, muitos produtos físicos são criados para se adaptarem a diferentes perfis de pessoas e isso deve ser seguido no ambiente digital. A interface de um produto digital deve ser projetada para oferecer uma boa experiência de navegação em diferentes aparelhos e perfis físicos. E isso é ainda mais importante no caso de aplicativos e sites, destinados aos dispositivos móveis, já que 64% dos brasileiros acessam a internet por meio de celulares e apenas 39% dos domicílios têm um computador, que oferece a precisão de um mouse e um teclado, segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2021, do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br).
Avalie que uma pessoa com mãos grandes pode ter um celular com tela menor do que outra com mãos pequenas. Alguns softwares ainda têm como público entregadores, que podem estar usando luvas. Nesses casos é preciso avaliar se a área sensível ao toque dos botões está do tamanho adequado.
A necessidade de se colocar no lugar do usuário
O desenvolvimento de um novo produto ou mesmo de uma funcionalidade demandam a participação de QA (analista de qualidade) ainda na fase de discussão das regras de negócio. Dessa forma, é possível reduzir falhas que impactam a experiência do usuário, os resultados financeiros e de imagem. Isso também se aplica à UI.
Apesar de haver uma moda para a automação de processos, incluindo os testes de software, que geram benefícios como tornar o processo de validação de um produto digital mais rápido, a interface com o usuário demanda o "olhar" de uma pessoa que conheça o produto, o perfil do usuário e seja capaz de se colocar em seu lugar.
A depender do produto, pode ser interessante que profissionais de perfis heterogêneos testem a UI para encontrar o equilíbrio entre uma interface com design e funcionalidades que auxiliam todo tipo de cliente. Por exemplo, quando a interface com o usuário é por comando de voz, pode ser necessário a realização de testes por pessoas com vozes masculinas e femininas para se certificar de que as regras de negócio são obedecidas.
A pandemia obrigou empresas a digitalizar produtos e canais de venda, e instituições governamentais a digitalizar processos de atendimento ao cidadão. Sites e aplicativos não são restritos às pessoas que têm afinidade com tecnologia, eles são usados por pessoas de todas as idades, entre elas algumas que há pouco mais de dois anos nem pensavam em usar celulares ou computadores para fazer compras ou solicitar documentos.
Por isso, antes de desenvolver e testar uma UI é preciso analisar: Qual o perfil do seu usuário? Como é a interação e a comunicação com ele? A interface ajuda ou fica no caminho atrapalhando a experiência das pessoas? As perguntas certas mostram a importância de facilitar a experiência do usuário e estimular sua interação com o produto digital. Lembre-se que a UI também deve ajudar as pessoas a resolverem problemas do dia a dia e sua empresa a alcançar seus objetivos de negócio.
Bruno Abreu, cofundador e CEO da Sofist.