O ecossistema da mobilidade urbana vem atingindo níveis mais elevados de complexidade nos últimos anos. A movimentação de veículos está cada vez mais vinculada à tecnologia, uma vez que ela gera um grande volume de dados que podem ser utilizados de forma eficiente para uma gestão sustentável da mobilidade urbana. A pandemia e a adoção de medidas preventivas, como o isolamento social, alteraram drasticamente os fluxos de movimentação de veículos nas cidades nos últimos meses. Neste sentido, é importante refletir sobre o que devemos esperar da mobilidade urbana no mundo pós-pandemia e como a tecnologia dos sistemas inteligentes de transporte pode ajudar a enfrentar os novos contextos.
Quando os efeitos da COVID-19 chegaram ao país, houve uma drástica diminuição nos deslocamentos e em todos os aspectos negativos relacionados ao transito, como acidentes, engarrafamentos e emissões veiculares. Em Goiânia (GO), por exemplo, segundo dados públicos, quando o isolamento ainda não havia sido flexibilizado em todo o país, houve uma redução de 80% nos deslocamentos gerais da cidade, e como consequência, o número de acidentes fatais no trânsito diminuiu. Em São Paulo (SP), indicadores apontam uma redução de 31% nos casos de acidentes fatais. Em Curitiba (PR), na maioria das ocorrências, os acidentes foram causados por excesso de velocidade em 2020. No início do cenário pandêmico se reduziu também o número de veículos de transporte público circulando nas grandes capitais enquanto houve um aumento do uso de bicicletas.
Estamos diante de um cenário de tecnologia global cada vez mais disruptivo. A população global, por sua vez, exige cidades menos poluídas, mais conectadas, limpas, seguras e com maior qualidade de vida. Cada vez mais, os consumidores conectados nas redes digitais exigem informações precisas e que os ajudem a tomar as melhores decisões. Não é diferente no que tange a administração do tempo de deslocamento. As pessoas querem perder menos tempo em suas viagens. Elas querem ter acesso a novos modos de transporte, novas rotas. De fato, sabemos que os ambientes urbanos apresentam os maiores problemas no que diz respeito à sustentabilidade do transporte. As cidades sofrem mais com o trânsito congestionado, com a má qualidade do ar, com o excesso de ruídos e com a ausência de uma cultura rodoviária adequada.
O mundo pós-pandemia abre uma oportunidade para reconsiderarmos nossas ações. Alguns países estão prevendo um aumento de veículos nas ruas, uma vez que as pessoas que, antes usavam o transporte coletivo, voltariam a optar pelos automóveis. Essa decisão deverá afetar a mobilidade urbana. Teremos mais carros, mais engarrafamentos, e o aumento da emissão de poluentes. Tendências globais, como a revolução digital ou a proteção climática, por outro lado, impulsionam mudanças urgentes para uma mobilidade mais sustentável. Nesse contexto, as tecnologias de gestão de tráfego desempenharão um papel fundamental, com múltiplas ferramentas à disposição de entidades públicas: desde a gestão de acesso e a implantação de sistemas não tarifários (para limitar o acesso a áreas específicas) e tarifas (para controlar a demanda por áreas urbanas congestionadas), às tecnologias eletrônicas de cobrança e livre circulação, ou a gestão inteligente do tráfego, com sistemas de semáforos capazes de se adaptar ao tráfego em tempo real e reduzir os níveis de congestionamento.
Atualmente, na maioria das cidades, esses instrumentos e todas as informações geradas por eles continuam a ser gerenciados em núcleos independentes, muitas vezes por diferentes autoridades e agências, sem a comunicação e coordenação necessárias para o uso estratégico desses dados. Se quisermos alcançar um nível de mobilidade segura, sustentável, ágil e saudável, a melhor estratégia é apostar na gestão holística, com políticas de Estado apoiadas pela integração que as novas tecnologias podem oferecer.
O Brasil, pelo seu tamanho, exige ferramentas adequadas para a gestão da mobilidade para atingir o desenvolvimento tecnológico e operacional nas cidades. Já existem sistemas inteligentes que podem coletar dados de tráfego em tempo real e disseminá-los de forma integrada, permitindo que os operadores de cada agência detectem e respondam aos incidentes que lhes correspondam. De igual modo, a informação pode ser compartilhada com os motoristas para que estes possam tomar decisões e usar rotas alternativas.
No Brasil, algumas cidades começam a dar passos nesse sentido. Embora tenham sido realizadas algumas melhorias, ainda temos um longo caminho a percorrer. Existem várias soluções inteligentes tanto do ponto de vista operacional quanto em termos de aquisição de recursos para viabilizar estes projetos. O sucesso virá apenas de quem apostar nessa abordagem inclusiva, envolvendo o engajamento da comunidade. A tecnologia para a mobilidade urbana bem-sucedida é aquela que coloca a população no centro. É usar a inteligência artificial a serviço da qualidade de vida. Precisamos de iniciativas tecnológicas e regulatórias com este propósito e que sejam lideradas por governos e por empresas capazes de realizar parcerias ainda mais inovadoras para enfrentarmos os impactos da pandemia na mobilidade.
Fabio Mazaro Júnior, presidente da Kapsch no Brasil.
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