Eu decidi que não escreveria sobre a crise neste espaço. Afinal, trabalhar com inovação sempre me desafiou a olhar lá para a frente. Minha ideia não é dar uma previsão de quando tudo isso vai passar. No lugar, gostaria de falar sobre como a inovação fará a diferença no processo de retomada de um setor crucial para o Brasil: a construção civil.
A construção – seja ela residencial ou de infraestrutura – é a chave para o crescimento da nossa economia. E, embora ela esteja sofrendo com a atual conjuntura*, temos uma oportunidade incrível aí. Oportunidade de geração de empregos e de tornar nosso país mais competitivo. Só que essa virada ganhará muito mais força se soubermos usar a tecnologia a nosso favor. Estou falando de um processo que já começou, que tem a ver tanto com Lean Construction (construção enxuta, no termo em inglês) quanto com metodologias e ferramentas específicas voltadas para a produtividade de uma obra.
Num tempo em que tanto se discute sobre a reinvenção dos negócios e sobre a importância de fazer mais com menos, são vários os exemplos de como esses novos formatos de trabalho, aliados às soluções digitais, podem otimizar a eficiência das obras, desde o projeto até a execução, reduzindo custos, margem de erro, tempo de entrega e desperdícios. Por falar em desperdício, estamos diante de uma indústria com um dos maiores índices de perda (30%) e responsável por grande parte (25%) de todo o lixo do planeta. Ou seja, precisamos olhar com carinho para isso.
Para você ter uma ideia do quanto esse mercado mudou, basta lembrar que a simulação 3D de grandes obras, principalmente voltadas à infraestrutura, é algo relativamente novo, inimaginável há algumas décadas (nem precisamos voltar muito no tempo). Mas simular é apenas um dos recursos que a digitalização permite nessa área. Junto com ela vem uma série de outras facilidades, como o gerenciamento em nuvem e a própria tecnologia móvel, que permite ao empreiteiro ter os dados na palma da mão.
Um dos casos de sucesso que gosto de citar nesse sentido é o da expansão do Metrô da Paris. Graças ao uso da metodologia BIM (Building Information Modeling), foi possível acelerar a análise de vários sistemas dentro desse complexo projeto, como túneis – que precisavam ser ampliados –, trilhos e dados geotécnicos, aqueles que consideram as características do solo. O que antes levava horas para ser analisado envolvendo revisão de planta, agora é feito em segundos. Com conclusão prevista para 2030, o Grand Paris Express é um projeto avaliado em quase 30 bilhões de euros e que visa ampliar em mais de 200 Km o metrô da capital francesa, com quatro novas linhas e a extensão de outras duas, impactando os mais de 12 milhões de cidadãos que residem na área metropolitana de Paris.
Usando um conjunto de ferramentas baseadas em objetos 3D, o BIM permite o gerenciamento de todas as fases de uma obra, com dados detalhados sobre seus componentes e controle imediato sobre a execução.
A expansão da ferrovia Ordsall Chord em Manchester, no Reino Unido, e a linha Regional Connector, do Metrô de Los Angeles, são outros cases globais de infraestrutura que utilizaram BIM.
Foi assim também em São Paulo, em um projeto da CPTM que está adaptando cinco estações para garantir acessibilidade aos usuários. O uso desse modelo reduziu o tempo gasto em operações em pelo menos 30%, além de ter evitado que equipes fossem a campo com a mesma frequência de antes para fazer e refazer medidas e ter que interromper a circulação das pessoas. O que antes demorava cerca de um mês, nesse projeto estamos concluindo em até dois dias, e com muito mais assertividade.
A duplicação de um trecho de 40 quilômetros da rodovia Raposo Tavares, no estado de São Paulo, é mais um exemplo. Primeiro projeto para estradas realizado em BIM no país, ele levou apenas três anos para ser concluído, um prazo também bem menor do que o habitual para uma grande construção como essa. Além disso, a ferramenta possibilitou computar informações mais consistentes, assim como identificar e solucionar antecipadamente problemas que só apareceriam no decorrer da obra.
Esse movimento é global e fico feliz de poder contribuir para que o Brasil siga cada vez mais o caminho da inovação nessa área.
Aliás, acabamos de divulgar um estudo produzido pelo IDC mostrando o nível de "digitalização" de cada país em relação às suas empresas de construção e é curioso observar a posição do nosso país: mesmo com um menor nível de maturidade em relação à adoção de tecnologias como Big Data e Inteligência Artificial, somos destaques quando o assunto é investimento em softwares baseados em BIM. Segundo o estudo "Transformação Digital: O Futuro da Construção Conectada", 53% das empresas brasileiras do setor investem nessas ferramentas, o que mostra que já viramos a "chave".
Por tudo isso, afirmo com toda a minha convicção que aliar a nova mentalidade da construção (a chamada Lean Construction) à transformação digital é a verdadeira alavanca para a retomada do crescimento do setor e, consequentemente, da nossa economia.
Sylvio Mode, presidente da Autodesk Brasil.
* Mesmo observando que 88% das obras continuam em andamento depois da crise, as empresas do setor já sentem o reflexo da pandemia. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) em abril mostra que 94,3% das empresas de construção civil definem como negativo ou muito negativo os impactos da covid-19 sobre seus negócios. Fonte: Estadão Conteúdo/UOL.